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A CENA indie brasileira bomba tanto que o bicho alternativo está pegando até na Barra da Tijuca, no Rio. Isso você leu por aqui. E é empolgante saber que em Brasília, terra de contrastes, a coisa-causa indie está ainda mais… mais… colorida. Se em São Paulo tem shows em bancas de jornais e lavanderias e Natal (RN) tem talvez o maior festival de música independente do mundo, dá para dizer que esse desastroso 2016 não foi tão ruim para a música. Principalmente a brasileira e indie.
A festa também festival candanga de lugares incríveis, o Picnik, instituição indie brasileira que recebeu minha visita em loco no ano passado, teve uma linda realização neste ano numa praça gigante que é mais um parque e que abriga um prédio que lembra a URSS e serve de hotel de trânsito de oficiais do exército. Como não pude ir, a Popload foi representada pelo “funcionário” Eduardo Palandi, nosso correspondente na capital federal.
E a visão dele sobre o indie em BSB e sobre a Picnik em particular está aqui abaixo, para seu deleite. Segura o referencial do Palandi, que não é fácil mas faz muito sentido.
Festival Picnik, Brasília
Festa itinerante mais famosa de Brasília, realizada a cada três meses, a Picnik, pelo menos uma vez por ano, junta às atividades de sempre (desfile de moda, praças de alimentação, brechós, lojas de discos, espaço para a criançada, entre outras), alguns nomes emergentes da cena brasiliense e bota a galera local para tocar-interagir com bandas de outros cantos do país e, até, do mundo.
No ano passado, o doidão Mac DeMarco encerrou sua turnê brasileira levando o Parque da Cidade à loucura. Neste ano, não podia ser diferente. E não foi: no sábado dia 10 de dezembro a Picnik voltou a trazer qualidade indie pop para o Planalto Central.
A última edição da festa em 2016 foi em um lugar bem inusitado: a Praça dos Cristais do Setor Militar Urbano, tão grande que parece mesmo um parque. Do lado do QG do Exército, o prédio de arquitetura mais soviética de Brasília. Dá para ser mais psicodélico que isso?
Esse é o modo como a Picnik movimenta a cultura independente em BSB. O lugar foi um achado: acesso fácil, segurança irretocável, jardins, espaço para a criançada. Zero treta. E, se houvesse alguma, seria culpa de São Pedro: choveu no horário de almoço e se temia que caísse um pé d’água durante a tarde – estamos numa das duas estações brasilienses, a das monções, e o risco era grande.
Nuvens cinzas no céu e cangas no chão, hora de ouvir o banquete sonoro da Picnik. A dupla Tiju, primeira da tarde, é como se o Cazuza encontrasse o Young Marble Giants e eles se trancassem em estúdio em Pirenópolis (cidade serrana de Goiás) com o Jamie do XX produzindo o disco: é MPB com reverberação, minimalismo a serviço de boas canções. Meio tilelê, mas é bom: ouça “Sorriso Supernova” e tente não se lembrar de “Faz Parte do Meu Show”.
Sobre Bolhazul e Tertúlia na Lua, que tocaram logo depois, a certeza: o futuro da cena brasiliense passa pelo Gama, cidade-satélite a 30 quilômetros do Plano Piloto, terra das duas bandas. O Bolhazul é pós: mistura o pós-rock da turma do Slint ao pós-punk; ao vivo, isso deu algo climático, uma delícia de se ouvir. Ao mesmo tempo, era suave e denso. O Tertúlia é um papo diferente: outro trio, mas de artesãos da loucura. Da blaxploitation ao progressivo brasileiro dos anos 1970 (Vímana? Módulo 1000?), todo tipo de pop de doidão se encontra nas viagens do trio, que funcionam bem tanto ao vivo quanto nos fones de ouvido. Os moradores de Brasília podem até achar uns grooves bad vibe no meio, como se fosse coisa das bruxas do Vale do Amanhecer (vilarejo esotérico nos arredores da capital), mas é impressão. Sério. Ainda falaremos mais da psicodelia do Tertúlia na Lua, pode ficar tranquilo.
A quarta banda a tocar no palco principal da Picnik foi o Traveling Wilburys goiano e chapado, mais conhecido como Luziluzia: metade do Carne Doce e metade do Boogarins, minha gente, só pode mesmo ser um supergrupo. O som não esconde as bandas de origem da galera, o que é excelente: a galera sacou isso e, em poucos minutos, mais que dobrou a plateia que assistia ao festival. Com guitarras em quantidade e volume maiores que os de estúdio, o Luziluzia funciona ainda melhor ao vivo, pelo que a Popload torce para que tenham gravado a apresentação e ela apareça na internet.
A essa altura do campeonato, os que acompanhavam o palco principal da Picnik já percebiam um denominador comum a todos os artistas que ali se apresentaram: o psicodelismo. Teria sido de propósito? Pode apostar que a intenção é esta: fazer um festival de pop psicodélico no meio de um evento com atrações para todos os gostos. Uma versão um pouco menor e mais família do Levitation, festival psicodélico texano que já se espalhou para a França.
E o tema continuou: a paranaense Samira Winter, que mora em Boston, subir ao palco à frente do quarteto que leva seu sobrenome e pega o psicodélico pelo lado shoegaze. Um pouco de Lush, um pouco de My Bloody Valentine, distorção e eco à vontade. O show começou meio morno, mas foi crescendo e melhorando, com direito a música em português no bis. A plateia adorou: meia hora depois, Samira e sua turma ainda posavam para fotos junto com os fãs, enquanto o Holydrug Couple já se apresentava.
Holy quem? Uma dupla chilena que também tem um lado shoegazer, meio Slowdive ou Spacemen 3. Músicas longas, pedal flanger, sintetizador. O instrumental é matador, mas o vocalista, um cara não muito afinado, pedia insistentemente para que o volume de seu microfone fosse aumentado. Foi um bom show, mas, se o vocal ficasse mais baixo e discreto, à la Kevin Shields, o som ficaria ainda melhor. Mas não importa: para a Popload, o Holydrug Couple já é, ao lado do mago Valdivia, uma das coisas mais legais do Chile.
A Popload perdeu o início do show dos gaúchos do Catavento para conferir, no palco secundário, a dupla californiana Summer Twins, formada pelas irmãs Chelsea e Justine Brown (e engrossada, nesse show, pelo baixista da Winter). Pop gostoso, redondinho, para cantar junto: se isso te interessa, procure “Limbo”, o mais novo disco das Summer Twins, e seja feliz. Pode ter certeza de que quem viu o grupo em Brasília foi feliz por pouco mais de meia hora. De volta ao palco principal, o Catavento é o psicodelismo sob forma de confusão. Mudanças de andamento, viradas repentinas e uma vibe meio Jimi Hendrix fazem parte do universo sonoro do sexteto gaudério, que é bem difícil explicar. Tem um disco novo dos caras, “Chá”, mas a Popload não sabe dizer qual o sabor que explica melhor a mistura; o que se sabe é que ela funciona bem ao vivo. Grosso modo, dá para dizer, que, sim, eles são “nosso Tame Impala” mais que o Boogarins (!).
Fechando a noite, o trio Gipsydelica foi o psicodelismo em versão Europa Ocidental: um búlgaro, um inglês e um turco entraram num festival (não, não é a piada em que entram num bar) e mostram que até o folk étnico pode ser uma viagem. As músicas têm nomes impronunciáveis e o trio, que tocou no Glastonbury de 2015, tem impressionante presença de palco. Pode lembrar o Gogol Bordello para alguns, mas a Popload achou ainda melhor. Acredite.
No final das contas, foi isso: festival bem organizado, bandas legais e um monte de outras atrações. Se você quer psicodelismo, fique de olho no que rola em Brasília, em suas praças e parques: o festival da Picnik continuará dando barato colorido em 2017!
** As imagens deste post e a da home da Popload são do fotógrafo John Stan.
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Foi e sempre é um evento lindo! Todas as bandas são de uma singularidade incrível… Tertúlia Na Lua amo vcs!