Afinal, o mundo vai acabar mesmo e somos todos “só bichos”.

O céu da cidade pode muito bem passar despercebido para várias pessoas, como se fosse uma mera paisagem em meio à correria do cotidiano. No entanto, para os mineiros da banda Desastros, a contemplação do mundo serve como inspiração máxima.
Instigando o ouvinte a embarcar em uma viagem praticamente espacial e, por que não espiritual para os menos céticos?, o quinteto de artistas Sara Não Tem Nome, Bernardo Bauer, Pedro Hamdan, Julia Baumfeld e Felipe D’Angelo lança um disco homônimo, que trata de forma leve sobre temáticas densas e existenciais, como a efemeridade (e a insignificância) da espécie humana.

O álbum de nove músicas foi gravado em Belo Horizonte, no Estúdio Cais, pelos cinco integrantes da banda que se alternaram entre os instrumentos, conseguindo transmitir nas faixas sensações paradoxais de calma e agitação ao mesmo tempo. Isso porque as canções tratam, sobretudo, sobre as finitudes do mundo: da vida humana à espécie humana, do planeta Terra ao Sistema Solar. Ao mesmo tempo que parece desconfortável pensar sobre os finais da vida, é também isso, afinal, que desperta a vontade de viver e não de simplesmente existir. E ainda bem que, para deixar o assunto mais leve, os arranjos dos Desastros são doces e lúdicos, apesar de apocalípticos.
E é curioso pensar que, em meio a um sistema tão individualista, surge um coletivo de artistas fazendo um álbum sobre questões que transcendem a existência humana.
Sobre isso, os Desastros contam à Popload: “Teve algum momento, lá atrás, antes de existir o projeto, que a gente escreveu a faixa “Desastres”, que fazia uma brincadeira com essa coisa mística da astrologia: “os astros vão dizer o que você vai comer de manhã/ as cartas vão mostrar a treta que vai dar na nação”.
A partir daí, acho que a gente teve um clique que estávamos a fim de fazer uma obra que rondasse esses assuntos meio misteriosos e grandiosos. Que falasse do universo em si, claro, sempre de uma perspectiva humana, mas sem se colocar como o centro do universo. Afinal, “sou só um bicho”, relata Bernardo Bauer.

“O poder da amizade!”
Não por acaso, um dos aspectos mais interessantes do disco é, justamente, esse caráter coletivo, que resulta do encontro de diferentes artistas, com diferentes trajetórias, criando em conjunto.
Apesar da estreia da banda, os integrantes da Desastros são artistas já reconhecidos na CENA, vindos de diversos projetos musicais individuais e bandas, incluindo Moons, Transmissor, Tarda, Pequeno Céu e a própria Sara Não Tem Nome com seu autêntico trabalho solo que transita entre a música, as artes visuais, o cinema e a performance. Nascida em Contagem (1992), na região metropolitana de BH, Sara é formada em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFMG e soma à atmosfera lúdica e colorida dos Desastros.
Assim como a banda, Sara também tem um nome curioso, que segue a mesma premissa dos Desastros: enquanto o nome do grupo surge da brincadeira com o termo “astros”, colocando os cinco músicos como “antíteses” do que seria um artista “glamouroso”, Sara Não Tem Nome conta que seu nome artístico também surgiu de uma ironia à vaidade do mundo das artes.
“Na minha infância e adolescência em Contagem, era muito difícil o acesso à cultura em geral, à música, ao teatro e ao cinema. Então, ingressar na faculdade de artes era o sonho de estar em um espaço onde eu conseguiria tanto estudar quanto conhecer outras pessoas que também eram artistas.
“No entanto, quando eu estava no começo do curso, tive uma uma aula em que uma professora fazendo a chamada foi falando os nomes dos alunos e sempre que tinha um nome ou sobrenome de origem europeia, geralmente alemão ou espanhol, por exemplo, que era algo que ela considerava ‘forte’, ela dizia que era um bom nome de artista.
“E quando vinham nomes e sobrenomes que ela achava mais comuns, tipo Silva, Pereira, Oliveira, que não tinham necessariamente uma descendência de uma família que ela considerava especial, ou de alguém que era já de uma família de algum artista reconhecido, ela falava que a gente tinha que pensar um nome mais “impactante”. E eu achei aquilo tudo muito estranho, né?”, contou Sara.

“E aí o Sara Não Tem Nome veio a partir disso e de outros questionamentos que eu estava tendo naquele momento, de pensar nesse lugar que tem a ver com os Desastros também, desse anonimato, de ser uma pessoa como qualquer outra, da arte como trabalho, sabe? De ser alguém que vem da periferia, que tem outras coisas para colocar, que não são demandas que às vezes dentro da arte são mais comuns, que são já de elite, são de pessoas que não têm certas preocupações por já terem certas garantias na vida. Então, eu queria causar esse desconforto, essa dúvida das pessoas quando vissem essa minha maneira de me apresentar.”
Além de Sara, os Desastros também contam com mais talentos das artes visuais: Julia Baumfeld assina as capas dos singles “Desastres” e “Estrela Mãe” e Pedro Hamdam é responsável pelas artes gráficas de divulgação do álbum.
Para completar essa atmosfera autêntica, o disco ainda foi gravado no Estúdio Cais, da própria dupla Bernardo Bauer e Felipe D´Angelo, músicos bem respeitados na cena mineira. Felipe, inclusive, integrava a última formação da banda de Lô Borges como tecladista e pianista. Devido a todo esse conjunto, é bem razoável dizer que não tinha como essa viagem dar errado.