Num mundo de singles antecipados, vídeos e dancinhas no TikTok, Rubel lança hoje um disco duplo, com dez faixas cada e sem ter antecipado nenhuma delas . A divulgação ficou por conta da lista impressionante, mas um tanto desconexa, de convidados no álbum, que vão de Milton Nascimento a MC Carol.
Muitas promessas foram feitas, mas qual o objetivo? “Encontrar histórias e personagens em que eu pudesse sentir o Brasil.”
Bom, o primeiro alerta a se fazer é: “As Palavras, Vol. 1 & 2” é um álbum a ser escutado em ordem, à moda antiga, pelo menos na primeira vez. A ordem é essencial? Não, mas há um enredo na sequência “certa” das canções e especialmente na dos álbuns.
O primeiro disco engloba o que podemos categorizar como música popular brasileira moderna. As primeiras faixas seguem numa linha que não surpreende os que já são fãs de Rubel. Temos as músicas de amor romântico pelas quais o cantor carioca já é conhecido, como a balada “Toda Beleza”, com o grupo Bala Desejo e produção excelente de Lucas Nunes. E daí, do nada, o negócio muda.
Quase numa antítese à música anterior vem “Putaria”. O título já entrega: a faixa é explícita. Temos Rubel, BK e MC Carol cantando um verdadeiro funk do erre-jota, produzido por Gabriel do Borel. Essa faixa e a eletrônica “Rubelía”, produzida pelo duo Deekapz, são talvez as adições mais “modernas” à música popular brasileira na historinha que o disco pretende contar, culminando em “Posso Dizer”, com sonoridades do funk permeando as levadas de samba.
Apesar das brasilidades, o álbum tem alguns elementos “gringos”, como nas vinhetas, com um sample de “Oh Honey”, da banda britânica Delegations, abrindo as palavras faladas por Ana Caetano, do duo Anavitória, e Dora Morelenbaum.
Ambos os interlúdios exploram de forma simples o poder das palavras. Apesar de ter conquistado reconhecimento com suas letras românticas, nestes discos Rubel demonstra mais proficiência na união de letra e melodia, trazendo menos conformidade aos estilos e recursos que buscava abordar e mais destreza em moldá-los a favor de sua narrativa.
A exemplo disso, na faixa-título, “As Palavras”, Rubel e Tim Bernardes contrariam as expectativas do público em uma música sem sofrência. Os cantores exploraram a aliteração e um conjunto de elementos pelos quais Rubel já nos é familiar: os samples, os elementos eletrônicos e o violão acústico. Mas de forma diferente.
O que poderia soar como um “Castelo Rá-Tim-Bum” para adultos representa o recorte de Rubel do seu próprio momento na música brasileira e que é a essência dos discos: a reflexão, o olhar para fora de si mesmo e para o futuro.
“Olha tudo que é o mundo inteiro, olha tudo que não sou eu e que também sou eu, porque é nós. E nós sou eu.”
Se o volume 1 explora elementos modernos, o 2 segue algumas vertentes mais clássicas da música nacional, mas sem deixar de lado um elemento de subversão do que é clássico.
A versão musicada do aclamado romance “Torto Arado”, de Itamar Vieira Júnior, em que Luedji Luna e Liniker cantam nos papéis das irmãs Bibiana e Belonísia, e Rubel é o narrador, traz todos os elementos clássicos da canção popular brasileira com uma obra tão recente, mas que já é tão clássica.
E no papel da referência mais tradicional no disco temos Milton Nascimento, em uma balada que honra o estilo musical e sonoridades que marcaram sua carreira.
O segundo disco têm um conjunto de composições com temas centrados no povo, como “Na Mão do Palhaço”, uma marchinha sobre um bolsonarista arrependido que se redime no Carnaval. E ainda “Doutor Albieri” uma música inspirada no personagem da novela “O Clone”, de 2002.
Mas a obra se encerra com duas interpretações de Luiz Gonzaga, “Assum Preto”, na voz de Dora Morelenbaum, e “Forró no Escuro”. Para Rubel, “o foco nem era ter canções do Luiz Gonzaga, mas as duas, por coincidência, passaram para mim essa questão do ser uma micro-história que descreve muito bem uma parte da realidade brasileira. […] Elas trazem a tragédia (“Assum Preto”) e a esperança (“Forró no Escuro”). E que a sanfona não deixe de tocar, que a gente continue acreditando no Brasil.”
Em ambos os volumes, Rubel se provou um poliglota da música brasileira e convidou alguns nativos de cada gênero para desenvolver esse trabalho com ele. E o produto final cumpre seu objetivo: construir “amostras” da realidade brasileira através da música.
“As Palavras – Vol. 1 & 2” são discos expansivos, eles agregam e unem os diferentes elementos das músicas brasileira e internacional em um conjunto compreensivo de 20 faixas, das quais pelo menos uma vai agradar qualquer pessoa que ouvir.
É um trabalho que chega no momento certo, dá vontade de dançar, amar, chorar, externalizar todos os sentimentos e acordar desse pesadelo dos últimos anos com esperança para o futuro. Na música e na vida.
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* A foto do Rubel na home da Popload, na chamada para este post, é de Bruna Sussekind.