

Se você não é um observador atento às fichas técnicas de discos, talvez ainda não conheça o trabalho de Alberto Continentino. O multiinstrumentista carioca provavelmente já ecoou nos seus ouvidos com suas linhas de baixo, dando pulso a músicas de artistas como Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto e Ana Frango Elétrico.
Em seu terceiro álbum, “Cabeça a Mil e Corpo Lento”, recém-lançado pelo Selo Risco, Continentino assume de vez a dianteira da coisa toda e mostra tudo o que aprendeu em mais de 20 anos de estrada.

O disco nasceu em um raro momento de pausa durante a pandemia, quando ele estava com a família no interior do Rio de Janeiro. Longe das rotinas de estúdio e turnês, decidiu, sem grandes pretensões, que era hora de gravar um álbum só seu, cerca de seis anos depois do último.
Pediu então que amigos e parceiros enviassem composições para que ele pudesse fazer o que sabe de melhor, criar arranjos inventivos e sofisticados.
Assim, Alberto colecionou composições de alguns dos artistas mais interessantes com quem trabalhou ao longo de sua jornada, como Negro Leo, Silvia Machete, cujo álbum “Invisible Woman” foi produzido por Alberto, e Ana Frango Elétrico.
A Popload conversou com Continentino num evento de audição do disco em São Paulo e ele comentou sobre querer fazer um álbum experimental, mas que não havia conseguido. O que nos leva a discordar dele.

Sabendo, e lhe contando, que o álbum começou a partir das letras, ficam ainda mais claros os experimentos mirabolantes de arranjos, sonoridades e timbres únicos que Alberto Continentino sintetizou de forma singular em 12 faixas.
Em um mercado cada vez mais homogêneo, Continentino vem com linhas únicas de baixo, andando entre o lírico e a melodia, que sustentam as composições de uma forma peculiar. A música não subscreve à forma como as palavras são ditas normalmente, cada decisão de arranjo te leva para um lugar surpreendente e foge ao óbvio.
Tome a faixa “Coral” como exemplo, em que Continentino divide os vocais com Dora Morelenbaum. O baixo sustenta uma melodia que lembra o mar, os vocais suaves são acompanhados por um belíssimo arranjo de sopros, também escrito por Alberto, que dá aquela sensação de ouvir algo submerso na água.
Outro ótimo exemplo é a música “Uma Verdade Bem Contada”, uma composição em parceria com Kassim, e que traz nos vocais a voz icônica de Nina Miranda. Nesta canção as linhas espertas de baixo são acompanhadas por quase um eco, um reforço sonoro, nos synths e no Rhodes, que convém todos os elementos da música dos anos 1980 com uma roupagem leve e fresca, sem parecer um simulacro do passado.
O álbum todo remete muito aos trabalhos mais recentes que Alberto fez com Ana Frango Elétrico, cuja música “Manjar de Luz” traz o trecho que dá nome ao disco, e com Dora Morelenbaum.
“Cabeça a Mil e Corpo Lento” é, ao mesmo tempo, um todo e suas partes. Cada faixa carrega um elemento específico, alinhado ao compositor original, mas sem perder o fio condutor que é a assinatura de Continentino, uma das pesquisas mais originais e profundas sobre o papel do baixo na música brasileira contemporânea, criando uma escola muito própria.
Agora, com o disco nas plataformas, você tem a chance de mergulhar de vez no universo de Alberto Continentino. E na próxima vez que uma linha de baixo dele te pegar de surpresa, seja no palco, seja no fone de ouvido, já vai saber de onde veio.
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* A imagem que ilustra este post na home da Popload é de Flavio Marques.