CENA – Celacanto mostra ao vivo, neste sábado, que tem muita coisa pra ver aqui

Em tempos em que a produção de um álbum pode acontecer com um clique, direto do quarto de casa, a banda paulistana Celacanto opta por desacelerar. Não na sonoridade, mas no processo.

Após dois anos de estrada, o grupo dá um passo certeiro e lançou seu primeiro disco, “Não Tem Nada pra Ver Aqui”, em abril, faz um mês. Saiu pelo selo Matraca Records.

Nesta semana uma das faixas do disco ganhou seu primeiro video, para da espertíssima “Dançando Sozinho”.

A história da Celacanto começou ainda na infância, nas brincadeiras musicais entre Miguel Lian (voz e guitarra) e Giovanni Lenti (bateria), que cresceram em famílias com forte ligação com a música — a mãe de Miguel é a artista e produtora Fabiana Lian, e o pai de Giovanni é Giuseppe Lenti, guitarrista da clássica banda paulistana Voluntários da Pátria, dos gelados anos 80.

Com o tempo, Giovanni conheceu o baixista Matheus Costa na escola e, em 2019, os três passaram a tocar juntos, principalmente covers. Escolheram o nome Celacanto em homenagem a uma paixão em comum: a banda britânica Radiohead. A primeira composição própria, escrita por Miguel em 2020, foi também o primeiro single lançado: “Cedo”.

A formação atual se consolidou em 2022, com a chegada de Eduardo Barco — guitarrista e, sim, sanfoneiro, de 25 anos —, para completar o quarteto. A partir daí, o grupo passou a trabalhar com mais foco nas músicas que viriam a compor o primeiro álbum.

As gravações e a pós-produção foram feitas no home studio de Luiz Martins, que assina sua primeira produção para um projeto externo, depois de lançar trabalhos solo como Lauiz e integrar a banda Pelados, também da Matraca Records.

Nasceu, assim, um disco que soa simples à primeira escuta, mas carrega um processo longo e cuidadoso, da formação da banda até sua estreia nos streamings.

Desde os primeiros singles, o que chama atenção é o contraste entre o caos externo e o interno, um dos eixos centrais do disco, sobretudo nas letras.

“A ideia que guia ‘Não tem nada para ver aqui’ apareceu quando o Edu chegou meio cabisbaixo num ensaio, falando que vinha sentindo que o mundo andava rápido demais e que ele não conseguia acompanhar. É um sentimento com o qual a gente se identificou, nós quatro. Logo, começou a ficar claro que isso era um assunto subjacente nas composições que já estavam prontas”, compartilhou Miguel.

Frases como “Você vai ficar velho, o mundo vai ficar velho também” e “Vou lembrar com carinho de você/ Você sabe que eu não entendo/ mas eu aceito te perder” traduzem bem essa sensação, um casamento delicado entre o período que o grupo levou para fazer o disco e o tempo que as letras pedem para serem sentidas.

As composições também são atravessadas por referências brasileiras clássicas e contemporâneas.

“O trabalho nas letras envolveu muitas inspirações daqui. Em ‘É de Pano’, a letra puxa um pouco os caminhos de Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo. Quando a gente fez ‘Você Fica Velho’, estávamos todos meio imersos no catálogo do Lô Borges e principalmente do Milton Nascimento, e acho que isso transparece de alguma forma. Quando fizemos ‘Quadros’, só consegui desempacar na letra depois de ouvir muito aquele álbum do Caetano Veloso, ‘Estrangeiro’. Sem falar em ‘Desamarrado’, uma canção que bebe muito d’O Terno”, conta Miguel.

Nos arranjos, o destaque vai para a construção instrumental precisa, inventiva e coesa que bebe na fonte do pós-punk de bandas como Joy Division e Talking Heads, e do indie dos anos 2000, tipo Radiohead mesmo. Essa base cria uma atmosfera quase internacional para o disco, que lembra o clima melancólico e experimental de álbuns como “In Rainbows” ou “Amnesiac”, da banda de Thom Yorke.

Talvez não tenha nada pra ver aqui, mas tem muito pra sentir. A Celacanto estreia grande e seu debut já nasce com cara de álbum de cabeceira.

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* As fotos do post e da chamada no site são de Helena Ramos. A capa do disco foi feita por Tatyana Soares.