Bob Dylan enquanto curry: músico precisa aprender a cantar

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* Calma, não é bem assim. Dylan precisa re-aprender a cantar, por questões médicas. Um dos maiores tótens da música pop de todos os tempos, o cantor está no Brasil em turnê caríssima (de R$ 120 a R$ 800). Tocou ontem no Rio, se apresenta amanhã em Brasília, depois BH (quinta), SP (dia 21 e 22) e Porto Alegre (24).

* Tem algo esquisito quanto ao show de Brasília de amanhã, no melhor nome de lugar do Brasil: ginásio Nilson Nelson. Os ingressos restantes para o show não serão vendidos pela internet amanhã, como os demais da turnê. No dia do show, só nas bilheterias do NN, a partir das 10h.
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* Sobre o título esquisito acima, principalmente a história do curry, principalmente a questão médica, li um artigo interessante publicado hoje na Revista “TPM”, na sua porção virtual. É sobre o Dylan, envolve curry, medicina, “House”, de autoria de Mariana Perroni. Conheci Perroni há algumas semanas. Quando ela não está salvando vidas em UTIs, está em shows ou festivais de rock pelo mundo. Vale ler. Está reproduzido aí embaixo.

por Mariana Perroni

Lembro-me de, há alguns anos, ter assistido a um episódio de House em que a ex-mulher dele fez uma das comparações mais geniais para defini-lo e ilustrar a dinâmica do relacionamento que os dois tinham. Se não me engano, após alguns segundos de silêncio durante uma conversa, ela olhava para ele e dizia que ele era como: curry. Ao notar a fácies de interrogação perfeitamente misturada com sarcasmo causados nele, ela continuava:

“você é abrasivo, irritante e áspero demais na hora em que quer se aproximar… que nem curry. Isso é legal quando se está morrendo de vontade de comer curry. Mas não importa o quanto você ame o molho, se você comer demais, machuca a boca e até faz mal. Daí a gente fica sem querer comer curry de novo por um bom tempo… até aquele dia em que você acorda e pensa ‘nossa, que vontade de curry!'”

Provavelmente, nada disso fez sentido para ninguém que está lendo até agora. Mas, como o show está ficando próximo e preciso decidir se pagarei o extorsivo preço para vê-lo, pensei que minha relação com o Bob Dylan é exatamente assim. Apesar das músicas dele terem marcado importantes épocas da minha vida, tem dias que sinto como se ouvir sua voz correspondesse a pegar meus tímpanos com uma pinça e raspá-los no asfalto. E dias em que o “folk de protesto” dele me parece irritante e exagerado. Já, pouco tempo depois, simplesmente tenho uma vontade incontrolável de dirigir em direção à praia ao som de Freewheelin’ ou me flagro assoviando I Shall Be Released depois de tomar alguma porrada da vida.

Talvez tenha sido por isso que me incomodei tanto ao me deparar com essa reportagem em que um médico especialista afirma que ele “sofre de fadiga na voz e precisa reaprender a cantar”. Segundo o médico do Zezé Di Camargo e do Galvão Bueno, depois de anos cantando “sem técnica”, o Sr. Dylan, o segundo maior artista de todos os tempos, ganhador de Grammy, Golden Globe, Oscar e lugar no Rock and Roll Hall Of Fame precisaria “reaprender a cantar em um intensivão de pelo menos três meses” se quiser melhorar.

Como a própria reportagem diz, o debate em torno da voz do Bob Dylan é tão antigo quanto aquele em torno de suas letras de protesto. “lixa cantando”, “mistura de cola e areia”, “nasal”… foram inúmeras as tentativas de caracterização. Sempre sem sucesso. Até porque, na minha opinião, a única definição que cabe é voz-de-bob-dylan. Goste ou não. Ouça ou fuja dela. Ou, como no meu caso, ouça E fuja dela. Em momentos diferentes.

Sendo assim, por mais graduado, famoso e especializado que se possa ser, não consigo entender como é possível propor um “conserto” para a voz de alguém que já influenciou (e continua a influenciar) incontáveis músicos, movimentos políticos e gerações utilizando-se exatamente de suas particularidades. E, o pior, que não pediu opinião médica. Na minha cabeça, não deixa de ser uma versão um pouco mais sofisticada daquele costume dos senhores de meia-idade e circunferência abdominal gigantesca se juntarem com o copo de cerveja na mão para debater como o craque de 23 anos deveria ter chutado a bola ou feito o drible para não perder o gol.

De qualquer forma, sei que sou só uma médica de 29 anos, de uma especialidade que pode até prejudicar vozes (ah, os tubos orotraqueais…) e que ainda precisa de “muita experiência nessa vida”. Mesmo assim, eu também tenho a minha cópia do Juramento de Hipócrates, a qual leio com uma certa frequência. E quando ele insiste em caracterizar a medicina como uma arte, sempre me pergunto se, salvo em caso de urgência/emergência, mais do que fazer diagnósticos e propor tratamentos, essa “arte” não seria a capacidade de ficar na sua e respeitar a vontade do paciente, estando sempre pronto e disposto a ajudar com todo o conhecimento disponível. Quando solicitado.

Talvez eu nunca chegue a uma resposta para isso. Mas, se eu pudesse chutar uma, certamente seria “the answer, my friend, is blowin’ in the wind… the answer is blowin’ in the wind…

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