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* Quando a Academia Sueca anunciou, no mês passado, que o Prêmio Nobel de Literatura seria entregue a Bob Dylan, houve, nos círculos literários, certa discussão sobre a inclusão das letras de música pop como literatura. Para alguns, letras de músicas, por mais belas que sejam, simplesmente não são literatura. E conferir um prêmio desse porte a músicos quando há grandes escritores esperando pela láurea seria pecado. Para outros, os melhores momentos do pop são, sim, literatura. Por aqui, ter Ivo Pitanguy, José Sarney e Paulo Coelho (este, lembremos, foi letrista de Raul Seixas) integrando a Academia Brasileira de Letras já causou controvérsia.
Pois em 2011, cinco anos antes de Bob Dylan ganhar o Nobel de Literatura, Leonard Cohen – que tem romances e livros de poesias publicados – venceu o importante Prêmio Príncipe das Astúrias (hoje Princesa das Astúrias) em Literatura. Na ocasião, a FPA, fundação responsável pelo galardão, declarou que:
– “Cohen criou um trabalho literário que tem influenciado três gerações de pessoas mundo afora, através de sua criação de imagens emocionais em que poesia e música se fundem numa obra de imutável mérito”.
– “A passagem do tempo, os relacionamentos sentimentais, as tradições místicas de Oriente e Ocidente e a vida cantada como uma balada sem fim formam um corpo de obra associado com certos momentos de mudanças decisivas no final do século XX e início do século XXI”.
Na cerimônia de entrega do prêmio, em um discurso arrasador, Cohen falou de sua ansiedade (que o fez passar a noite anterior em claro), de sua relação com a guitarra espanhola, de um violonista castelhano que lhe ensinara os primeiros acordes e da influência do poeta andaluz García Lorca, entre outras coisas. Vale muito a conferida (o inglês dele é, vá lá, calmo):
** Mas, e aí? Letras de música pop são ou não são literatura? Mês passado, a revista “New Yorker” fez um extenso perfil de Leonard Cohen, dias depois do anúncio de que Bob Dylan venceu o Nobel de Literatura, e falou de um encontro em que os dois discutiram o processo de composição:
No começo dos anos 80, Cohen foi assistir a um show de Dylan em Paris, e, na manhã seguinte, em um café, os dois falaram de seus últimos trabalhos. Dylan estava particularmente interessado em “Hallelujah”. Mesmo antes de 300 outros intérpretes tornarem “Hallelujah” famosa em suas versões, muito antes de a música ter sido incluída na trilha sonora de “Shrek” ou como prova básica em “American Idol”, Dylan reconheceu a beleza do casamento entre o sagrado e o profano [na letra]. Ele perguntou a Cohen quanto tempo levara para escrevê-la.
“Dois anos”, mentiu Cohen.
Na verdade, “Hallelujah” lhe custara cinco anos. Ele esboçara dúzias de versos, anos antes de decidir a versão final. Por diversas vezes, quando escrevia essa letra, Cohen acabava de cuecas, dando cabeçadas na parede de um quarto de hotel.
Cohen disse a Dylan: “Gosto muito de ‘I and I’”, uma música que apareceu no disco “Infidels”, do americano. “Quanto tempo você levou para escrevê-la?”
“Uns quinze minutos”, disse Dylan.
Mas, e aí? Música pop pode ser literatura? O fato é que Bob Dylan também já ganhou o Prêmio Príncipe das Astúrias, em 2007… mas foi na categoria Arte, não em Literatura. Complicado. Talvez a Academia Sueca devesse ter dividido o Nobel de Literatura deste ano entre Bob Dylan e Leonard Cohen. Ou não…
*** Na home da Popload, imagem da fase zen de Coen, num retiro de Los Angeles nos anos 90. Foto de Neal Preston/Corbis.
**** O texto é outra contribuição do poploader Eduardo Palandi para nossa homenagem ao músico canadense.
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