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Eu não lembrava dessa. Ou nunca soube, sei lá.
Quem conta é o próprio Johnny Marr, no vídeo abaixo. Na véspera do Ano Novo de 1983-84, os Smiths chegaram em Nova York para o “show da virada” (hehe). Ainda meio zonzos do vôo, não prestaram muita atenção na atração de abertura, uma cantora novinha. Aliás, acharam que ela “pode até ter mandado bem”, mas não ficaram nada impressionados. A cantora, viemos a saber, era a Madonna. Apenas. Pensa nesse “show da virada” (hehe), no comecinho dos anos 80, em uma “boate” de ferveção com quatro andares em Nova York, a lendária e bombada DANCETERIA, berço da New Wave americana, com Madonna abrindo para Morrissey? Sei nem o que dizer e também, sei nem como esse vídeo está rolando desde 2009 no YouTube e não tinha visto.
Fui até checar a minha Mozipedia e nada, nem uma mençãozinha sequer a ela, para o bem ou para o mal. Lembrando que o Morrissey o-dei-a a Madonna, achei melhor checar a biografia dos Smiths, o tijolo laranja “A Light That Never Goes Out — The Enduring Saga Of The Smiths”, escrita pelo Tony Fletcher.
Pois bem, lááá na página 290, Fletcher conta sobre a SIRE RECORDS, gravadora americana fundada em 1966 por Seymour Stein e Richard Gottehrer. Além de ser “A” casa de novos artistas punk nos anos 70, como Ramones, Talking Heads, Blondie, Television e Patti Smith, a Sire também ficou conhecida por ter lançado Madonna, ainda nesse mesmo comecinho dos anos 80 de que estamos falando.
Essa passagem na biografia não fala nada sobre a Madonna ter sido a “banda de abertura” dos Smiths, mas os fatos e as datas batem. Alguns trechos interessantes dessa primeira viagem dos Smiths aos EUA, tiradas do livro em tradução livre:
* A SIRE RECORDS, de olho na “invasão britânica”, começou a assinar com quase todas as bandas da Rough Trade. “Roubaram” o Depeche Mode, The Assembly e The Undertones. Também conseguiram tirar da Warner Bros britânica o Echo & The Bunnymen e o Pretenders. E ainda passaram a mão no Soft Cell, que era da Polygram. E também Tin Tin e Modern English, fazendo com que todas essas novas contratações chegassem nas paradas americanas. Nessa mesma época, início dos anos 80, “Seymour Stein também assinou com uma cantora e dançarina que morava em Nova York e que fazia parte da cena clubber de electro-hip-hop da cidade. Ela era chamada apenas de Madonna”.
* Foi a primeira viagem transatlântica dos Smiths (tirando o Morrissey). Sabendo que o Brian Jones, dos Rolling Stones, havia levado uma guitarra de presente de Stein, Johnny Marr já chegou perguntando se ele também ganharia uma caso os Smiths assinassem com eles. Ganhou.
* Percebendo que a cena americana (na verdade, as pistas dos clubes americanos) estava tomada pela mistura de hip-hop, electro, funk e New Wave, Geoff Travis, fundador da Rough Trade, lançou um disquinho 12” com duas versões estendidas de “This Charming Man”. A ideia era manter a música na parada britânica por mais tempo e entrar nas pistas americanas. Todos os artistas da Sire, na época, incluindo Echo & The Bunnymen e Elvis Costello, fizeram o mesmo. O remix, feito pelo renomado DJ Fraçois Kevorkian, agradou a todos, menos, claro, ao Morrissey e aos fãs “mais puristas”.
* Coincidentemente, o remix chegou nas picapes americanas no MESMO dia em que foi anunciado o primeiro show dos Smiths no país. Esse show aí, da Madonna (hehe). Segundo o livro, Johnny Marr era fã da nova cena “dance” de New York e se sentiu lisonjeado por sua banda ter sido remixada por Kevorkian, mas decidiu ficar do lado Morrissey ao perceber a reação negativa dos fãs.
* A birra de Moz chegou a tempo de impedir que o remix inundasse as paradas britânicas. Mas, chegou tarde demais para as pistas “alternativas” americanas, que receberam o “novo hit” muito bem.
* A banda foi recebida no aeroporto JFK, em NY, pela promoter e booker Ruth Polsky em uma limousine. Polsky fez questão de convidar sua assistente Amanda Malone, “uma gordinha esquisita que tinha 18 anos e sotaque britânico”. Malone e Morrissey viraram ~BFFs~, ele se apaixonou pela voz e pelo estilo dela e chegou a fazer com que ela se mudasse para Londres mais tarde, meio a contragosto do resto da banda, para gravar com eles. Anos depois, Polsky viria a ser a empresária dos Smiths (ela morreu atropelada 2 anos depois e foi homenageada na contracapa de “Shoplifters of the World Unite”). Malone, no fim, era uma péssima cantora, o single nunca pôde ser lançado e ela acabou virando “Amanda Hallay”, guru de moda em Paris.
* A partir daí, tudo é história e digamos que desse show, a única lembrança dos presentes é a de que Morrissey ficou “bêbado de vinho e despencou do palco assim que entrou, voltando logo em seguida”. Mesmo assim, Geoff Travis recebeu uma ligação da mãe do cantor no dia seguinte, reclamando do descuido da Rough Trade e da “falta de segurança e de cuidados médicos apropriados” para seu filho. Awwwn. Ah! O baterista Mike Joyce acabou pegando catapora (dizem que foi herpes, na verdade) e o próximo show, que seria em Boston, teve que ser cancelado.
* Acredite se quiser, achamos o vídeo dessa “world premiere” da Madonna, abrindo para os Smiths. Mas sem os Smiths (se alguém achar, grita!). Percebam o jeito que ela é apresentada pelo “host-MC”:
Ufa. Que noite, que ano, que festa de que ninguém se lembra… Alguém pergunta sobre isso para o Johnny Marr neste final de semana, por favor!
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