A genial PJ Harvey não parece ter pressa. Com intervalos cada vez mais longos entre seus discos, finalmente temos em mãos “I Inside the Old Year Dying”, seu décimo álbum, sete anos após o algo frustrante “The Hope Six Demolition Project”.
Assim como PJ Harvey pareceu ter toda a paciência do mundo para compor e gravar este novo trabalho, lançado sexta-feira, sugerimos que você faça o mesmo para apreciá-lo.
Ficamos mal acostumados vendo PJ Harvey se reinventar. Desde 1992, a compositora britânica tem mudado bruscamente de estilos a cada trabalho novo, sendo uma das poucas artistas no mundo que merece ser comparada a David Bowie.
No entanto, ao contrário de Bowie, Harvey demorou duas décadas até se repetir e lançar um trabalho (relativamente) fraco: “The Hope Six Demolition Project” (2016) pouco inovou sobre os sons e os temas do ilustre “Let England Shake” (2011), logo se tornando o lançamento menos memorável de sua discografia.
E este novo disco prova que “Hope Six…” era apenas a exceção à regra.
A abertura soturna “Prayer at the Gate” já traz camadas de som espessas feitas com sintetizadores, a espécie de atmosfera sombria que Polly Jean fazia bem no passado, mas tinha praticamente abandonado na última década. É um começo lento, mas muito bom.
No entanto, é a segunda faixa, “Autumn Term”, que ressalta uma das características mais marcantes de ”I Inside…”: como PJ Harvey se esforçou para que sua voz não soasse como PJ Harvey.
Em vez de tentar reinventar a roda e adotar um estilo ou uma instrumentação totalmente diferente do que fez no passado, ela inova ao modificar seu vocal de maneiras que nunca tinha feito até então. Outro ótimo exemplo disso é “The Nether-Edge”.
Curiosamente, o disco de que “I Inside…” mais se aproxima na carreira de PJ Harvey é “White Chalk” (2007). Apesar de aquele álbum ter uma instrumentação orgânica e minimalista, oposta aos ricos arranjos de sintetizadores de “I Inside…”, os dois trabalhos compartilham uma atmosfera de desconforto e suspense, quase como uma obra de terror em alguns momentos. Ouça “All Souls” para entender.
Mas a melhor característica do álbum é a forma com que Harvey consegue inserir momentos doces e inocentes no meio dessa atmosfera pesada. A primeira faixa revelada, “A Child’s Question, August”, fica totalmente diferente no contexto do disco, com uma melancolia irresistível. Se você, assim como eu, torceu o nariz quando a ouviu como single, sugiro que escute de novo, com o álbum todo. Mais de uma vez.
Isso não significa que o nível alto é mantido no disco inteiro. As baladas mais “padrão”, como “Lwonesome Tonight” (tente pronunciar esse título), a breve faixa-título “I Inside the Old Year Dying” e a quase-faixa-título “I Inside the Old I Dying” não se sobressaem, e ficam como meros intervalos entre faixas mais interessantes.
Felizmente, temos “A Noiseless Noise” para fechar o álbum. Com seu maravilhoso uso de guitarras, fica um gostinho de “quero mais”, uma vontade de ouvir como seria se PJ Harvey voltasse ao som distorcido e pesado de outros momentos de sua carreira. Mas não estamos reclamando.
Assim como “White Chalk” é provavelmente o disco menos acessível da discografia de PJ Harvey, “I Inside the Old Year Dying” não é do tipo que te conquista de imediato, mas merece ser ouvido diversas vezes para ser apreciado por completo. É um disco delicado, de texturas que se desenvolvem aos poucos, mas que recompensam o ouvinte paciente.
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* A foto de PJ Harvey deste post é de Steve Gullik.