A Itália muito além do Maneskin. Banda Messa, espécie de “Portishead metal”, chega ao disco ao vivo

No fim do ano passado, uma recomendação em vídeo do excelentíssimo senhor jornalista e radialista recluso Fábio Massari, ex-MTV e atualmente se dedicando a livros musicais, me levou a uma banda italiana chamada Messa.

Confesso que nunca tinha ouvido falar do grupo, mas instigado pelo “Reverendo” a ir conhecê-lo, fui instantaneamente conquistado por seu disco mais recente, Close (2022).

Chamar a Messa de uma banda de metal não seria apropriado – eles fazem uma mistura única de sons e influências, cujo diferencial mais perceptível é seu fantástico vocal feminino. Mal comparando, é como um Portishead mais pesado, onde o que prevalece é o bom gosto, não o gênero musical.

Messa, apesar de cantar em inglês, ainda é uma banda relativamente desconhecida fora da Europa, apesar de ter sido formada em 2015 e já ter tocado em festivais gigantescos como o Hellfest, na França. Uma busca rápida mostra que ainda nem foi agraciada com um artigo na Wikipedia (algo que os próprios músicos julgam ser necessário, para ontem).

Como eles estavam prestes a lançar um disco ao vivo, Live at Roadburn, na última sexta-feira, a Popload marcou uma entrevista para ir atrás e descobrir mais sobre o grupo.

Conversei com o baixista Marco, o baterista Rocco e a vocalista Sara sobre jazz, metal, Ghost e uma certa banda italiana que nem deve ser mencionada. Enquanto você lê, sugerimos que escute Live at Roadburn. São apenas quatro faixas (bem extensas), e servem como uma ótima introdução ao som deles.

Abaixo, a entrevista com a galera do Messa, feita por zoom e email.

Popload – Eu sinto que há algo genuíno no som de vocês. Dá para captar várias influências, mas o conjunto delas é único. Qual foi a ideia original que levou vocês a montarem a banda?

Marco – Sara e eu começamos em 2015. Estávamos em várias bandas da mesma cena, no mesmo ambiente musical, e queríamos tocar um som meio doom metal, mas com um toque diferente. Começamos a desenvolver várias músicas, depois Rocco e Alberto entraram para a banda. Nosso primeiro disco, Belfry (2016), já misturava o gênero doom com música ambiente e experimental, e no segundo (Feast for Water, 2018) inserimos um jazz sombrio nele. Com o nosso último trabalho (Close, 2022), trabalhamos com sons tradicionais africanos e mediterrâneos. A ideia sempre foi misturar sons.

Popload – Quais são algumas de suas influências musicais menos óbvias?

Marco – Temos muitas diferentes, porque nossos gostos são diferentes. Roco, nosso baixista, por exemplo, sempre tocava black metal, e eu sempre fui mais do garage rock. Alberto, nosso guitarrista, era um músico de blues. E Sara nunca tinha cantado antes da Messa. Ela tocava baixo em bandas crust punk e grindcore. Então cada um tem seu jeito.

Popload – Você pode me contar um pouco sobre este álbum ao vivo que vocês estão lançando agora e como surgiu a ideia para ele?

Marco – Fomos convidados pelo festival Roadburn para tocar dois shows, em 2022, e é típico que as bandas ofereçam um concerto especial nesse evento, algum setlist diferenciado. Propusemos tocar nosso último disco, Close, na íntegra, com três músicos adicionais no palco para algumas das músicas, para reproduzir o som do disco mais fielmente. Esses shows especiais no Roadburn também costumam virar um disco ao vivo, então foi o que fizemos – selecionamos quatro das faixas da noite para lançar um álbum ao vivo. Isso também serve para promover uma série de dez shows em locais pequenos que faremos em maio, também com esses músicos adicionais.

Popload – Apesar de todo o progresso feito em termos de igualdade de gênero, o ambiente do rock/metal ainda é ocupado principalmente por homens. Você sente algum tipo de tratamento diferente por ser uma mulher em uma banda dessa cena? Há algo que você gostaria que fosse diferente em relação a isso?

Sara – Eu quero ser julgada pelo que eu faço, independentemente do meu gênero. Às vezes tenho que ir contra um ponto de vista diferente do meu, onde o julgamento das pessoas é alimentado por fatores fúteis. Alguns comentários negativos aparecem de vez em quando. Parece que, para algumas pessoas, minhas habilidades como música são fortemente atreladas à minha aparência. Eu acho que mulheres têm menos “credibilidade” para os outros quando começam projetos, especialmente quando tocam gêneros mais extremos. Elas têm que trabalhar mais para conseguir o que querem. Tendo dito isso, acho que a única aprovação que você deve buscar é a própria. Isso significa que, se você gosta do que está criando, é mais do que o suficiente. Se importar demais com o que os outros pensam, pode te distrair. De qualquer forma, mulheres não precisam da aprovação masculina.

Popload – Eu percebo muitas diferenças culturais entre a Europa e onde eu moro. Um dos símbolos disso é o concurso Eurovision, que parece algo alienígena para mim. Tem até aquela banda italiana que ficou famosa nele…

Rocco – Maneskin?

Marco – Não precisamos falar sobre essa banda, né?

PoploadDe maneira alguma. Mas percebo que há bandas que começam em um nicho musical relativamente pequeno, depois ficam enormes, como o caso do Ghost. O que vocês têm em mente para o crescimento da Messa?

Marco – Obviamente temos objetivos e sabemos onde queremos chegar. Poder tocar em outros países é a melhor coisa que pode acontecer para nós. Mas o mais importante é decidirmos como chegar lá. Para nós, o processo em si, o método que usamos para atingir nossas metas, é fundamental. Já temos ideia para um disco novo, mas precisamos achar tempo para trabalhar com elas.

Popload – Quando outras pessoas ouvem sua música, quem tem a reação que é mais relevante para você?

Marco – Boa pergunta, acho que nunca nos perguntaram isso. O comentário mais comum que ouvimos depois dos nossos shows é que nossa música leva as pessoas a outro lugar – tem gente que chega e fala “eu nunca escuto esse tipo de música, mas gostei muito de vocês, e não sei explicar o porquê”.

Rocco –  Da bateria, eu consigo ver bem os rostos das pessoas, e vejo que muitos estão de olhos fechados, como se estivessem numa jornada. É muito gratificante.

Popload – Se alguém me perguntasse com quem vocês parecem, acho que diria Portishead. Sei que Portishead não é uma banda de metal, mas o som de vocês cria uma atmosfera que me lembra deles.

Marco – Muito obrigado por dizer isso. Na verdade, nós estamos ouvindo muito Portishead recentemente e nos inspirando neles. Uma semana atrás eu vi aquele vídeo do show deles em Nova York com a orquestra, é inacreditável. É o tipo de coisa que gostamos de acrescentar ao nosso som.

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Live at Roadburn já está disponível nas plataformas de streaming.