Achamos pertinente trazer à baila aqui um assunto que “é moda”, e não é de hoje, a programação de 98% dos festivais brasileiros a que vamos. Mas que não conseguimos ao certo saber se isso é legal ou não, no fim das contas. E que ainda assim só faz aumentar nos pôsteres dos eventos musicais de Norte a Sul, Leste a Oeste.
Aqui na Popload, o microuniverso que na verdade traduz-se como “nosso umbigo”, o lance do “convida” divide bastante as opiniões. Uns odeiam, outros curte, alguns não ligam. Então por que tem cada vez mais (a gente até sabe…).
Dizem que essa “onda” meio rara de ver em festival gringo teve início no Palco Sunset do Rock in Rio, o segundo maior do maior evento de música brasileiro. Tem gente que defende que nasceu mesmo no pitoresco e absurdamente grande João Rock, festival de line-up sempre bizarro nas tendências (tipo o Planeta Atlântida, no RS), que rola em Ribeirão Preto, no interior de SP, desde que os Strokes gritaram “last niiiiiiiiiite” e a coisa de fazer festival de música virou um grande business (nem sempre lucrativo, diga-se).
Então, neste embalo dos encontros em festival que aparentemente é difícil fugir, a gente lança aqui, agora, um Popload convida Dora Guerra, nossa mineira da Semibreve que deu na Semiload e virou colaboradora assídua deste pedaço.
À luz do grande Breve Festival, que rolou recentemente em BH, Dora chegou dizendo que adorou no evento a apresentação de um certo cara que convidou um outro cara para o show. A gente, sempre com um pé atrás nos encontros, pediu para ela explicar melhor tudo isso.
E ela explicou!
Por DORA GUERRA
Fulano convida Ciclano. Quantas vezes você já leu uma proposta dessa em line-up de festival?
É. O formato não é novo – é uma coisa fundada ou consolidada no Rock in Rio, uma proposta de variar os shows e trazer uma experiência do tipo esses-aqui-você-pode-ter-visto, mas-juntos-é-outra-história.
Acontece no Breve Festival em BH, acontece no Coala em São Paulo, o próximo Turá promete quatro “encontros” do tipo em sua escalação de dez nomes. Acontece em grande parte dos festivais nacionais hoje.
É uma fórmula interessante para não desgastar a gente na repetição de shows e o excesso de festivais. Tem momentos de fã encontra ídolo, tem repertório que não se encontra em disco nenhum. E é a proposta direta do palco The One do The Town, que vai reunir compilados de artistas nacionais em um grande “vamos ver no que dá”. O nome – the one – já dá uma dica, tipo “lá, você vai ver algo único”. Mas único no bom sentido?
Usei a experiência do Breve como uma lembrança desse formato. Organizado no fim de Abril em Belo Horizonte, o Breve se define, por natureza, como um festival de encontros. Em 2023, esses encontros se deram em cima do palco: João Gomes convida Gilsons e Don L, Black Alien convida FBC, Ludmilla convida Tasha e Tracie.
Era um festival que tinha uma determinada ideia de local e line – no meio do caminho, tudo mudou, e alguns artistas cujos nomes figuravam solo de repente passaram a ser convidados de outros shows. É uma solução sorrateira, mas pode funcionar.
Na expectativa, a ideia já vinha funcionando. Dias antes de sua performance com Don L, João Gomes (os dois na foto lá em cima) já twittava letras do rapper como um fã empolgado. Seria um encontro do tipo fã-pra-ídolo (e foi).
Mas há a parte atrapalhada, também – a hora que te faz pensar “preferia esses artistas separados, com seus setlists próprios”.
Às vezes, o encontro não soma: subtrai. Depois de uma sucessão de piseiros, efeitos especiais e um charme inegável, João Gomes também convidou Gilsons ao palco – grupo que subiu bem-vindo e sorridente, ainda que sem jeito.
Em um encontro admitidamente súbito e sem ensaio, os Gil cantaram seus dois maiores hits (a versão “Várias Queixas” e “Love Love”) com roupagem à la João e disfarçaram como puderam, sabendo que não era essa a forma ideal de estarem presentes. Não foi ruim, mas ressaltou a questão de o encontro ter que ter razão de ser, órbitas de artistas que se cruzam, ritmo crescente.
Razão de ser, órbitas de artistas que se cruzam, ritmo crescente. São os três pontos que borbulharam durante o show do Black Alien, ainda no Breve, que recebeu FBC – artista local com trajetória meio meteórica pós-“Baile”, mas que ainda está nos rolês de BH e twittando sobre o Galo.
Aí, sim, tudo se encaixou: a euforia de uma plateia que reconhece seu artista, a curiosidade com o encontro, músicas pra cima e a contagiante emoção de FBC. Quando vemos uma entidade como Black Alien entoar “De Kenner”, a vitória parece toda nossa.
Mas tem também o problema do tempo. Quanto tempo é suficiente para um convidado? Porque em um show de festival, não há muito espaço para se ceder; ainda assim, duas músicas na mão do coadjuvante parecem pouco, quase insuficientes para suprir seu nome no lineup. Não é um show conjunto, na maior parte das vezes. E dá o gosto de “quero mais”, sem ter saciado a sede.
Então vale pagar para ver, literalmente, o risco de um bom ou mau encontro?
É difícil dizer, mas eu acho que é possível se orientar pela combinação dos nomes, se soa arbitrária ou se tem fundamento. Essa é uma parte quase intuitiva ao ver os nomes alinhados no line: ou você pensa “Interessante” ou imagina um “Não sei, não”.
Não é garantia, mas geralmente, sua intuição tem uma memória sonora, cultural, um palpite bom da relação entre um e outro. Às vezes, essa mesma intuição diz apenas um “Mas o que exatamente vai sair disso?”, como quando vê Terno Rei convidando Fernanda Takai e Mahmundi em setembro. Aí, é só indo mesmo.
Mas, de modo geral, ainda que os encontros tenham aquele clima de que você viveu algo exclusivo, eles tendem a gerar um vazio; não realizam, no total, sua vontade de ver um ou outro. Ao final, me peguei considerando que assisti a um show do Black Alien, por mais que seu encontro com FBC tenha sido potente.
O encontro é um desencontro, uma pequena lacuna que não se preenche por completo.
Mas rende bons vídeos.