Semiload – Você não ouve Amy Winehouse até hoje?

* Dia destes eu estava escutando Amy Winehouse não lembro exatamente por quê, quando chegou o email da Semibreve, a newsletter musical mais bacana do Brasil, escrita por nossa colaboradora Dora Guerra e que aqui neste site vira, no blend, a Semiload.

Fui ohar o assunto e era: Amy Winehouse. Chamei a Dorinha no Whatsapp e falei: “Você não vai acreditar…”

Ela acreditou na hora!!

Eu ouço Amy Winehouse com frequência até hoje – e estou longe de ser a única pessoa. Como pode, né? Mais de 11 anos depois da morte de uma artista que lançou somente dois álbuns de estúdio. Ainda assim, uma unanimidade. Uma querida. uma saudosa. Sabemos que amy foi tudo aquilo – mas por que dura até hoje?

Amy veio na esteira de algumas cantautoras inglesíssimas, com esse humor afiado londrino-fumante. Antes de sua obra-prima “Back to Black”, Amy não havia inventado nada per se; no auge de Norah Jones e Joss Stone, a combinação neo-soul e jazz com os anos 2000 e hip-hop já circulava. 

Mas algo em amy era fundamentalmente especial.

“Back to Black” marcou tudo isso como somente um clássico do século XXI o faria. O disco é um exemplo magistral de quem olhou para influências antigas, referências em um quadro de cortiça, e as alcançou não simulando o que elas faziam – nem fingindo ser contemporânea a suas influências –, mas encontrando no som passado uma forma nova de falar de si.

(Hoje o que não falta é artista buscando emular outra época e outros artistas, mas quem consegue uma assinatura única como a que Amy tinha?)

“Back to Black” se tornou uma enciclopédia moderna da nova-música em vários sentidos: o disco contrapõe gêneros antigos e elegantes com letras que falam explicitamente sobre sexo, dinheiro, drogas e afins, ainda sob o ponto de vista feminino (a faixa-título começa: “Ele não deixou tempo para arrependimento / Deixou seu pinto molhado com sua aposta segura de sempre”). São letras sensacionais mesmo na crueza.

E o álbum assume, sem pudor, as manchetes sobre uma artista e sua vida pessoal: a mulher de visual marcante, muitíssimo diferente do disco anterior, com relacionamentos turbulentos e uma visão segura de si, ainda que complexa. Quem é capaz de trucar uma mulher que ri e conta que tentaram interná-la, mas ela disse “Não, não, não”? 

Tudo isso é coroado com um feito daqueles raríssimos. Esse é um disco criticamente aclamado de uma artista nem pop, nem totalmente mainstream, mas que vendeu milhões de cópias mundialmente – o que termina de assinalar “Back to Black” como um marco definitivo dos anos 2000

Amy também deixou marcas importantíssimas no sentido vocal – reforçou que a qualidade da voz se sobrepõe à necessidade de exibir grandes malabares, mantendo a emoção no gogó sem deslizar demais por exibicionismo. Lembrando: eram tempos do pop Mariah Carey, Kelly Clarkson pós-“American Idol”, Christina Aguilera. Era tempo de ser vocalista e performer primeiro, compositora e intérprete depois. Aí, você tem Amy – uma voz intimista, sincera, emotiva, direto ao ponto. Um respiro diferente. 

Para sentir o baque da influência desse combo, basta lembrar da existência de Adele, facilmente uma das maiores cantoras dos últimos anos. Não é novidade que Adele é filha de tudo que Amy representou, ainda que sem o tempero musical que Amy tinha. Claro, a cantora é talentosíssima, carismática, romântica e honesta como sua antecessora, mas encontrou um mercado que se abriu à anterior e esperava mais. Adele fez uso de influências muito similares, o tema do coração partido, os vocais vulneráveis – até um visual muito parecido, inclusive. Isso porque ela foi uma das mais bem-sucedidas em uma sucessão de vários: Duffy, Sam Smith, Meghan Trainor. 

O nível de honestidade de Amy Winehouse, responsivo a uma imprensa aliada à internet incipiente, se tornou um template para os discos que viriam nas décadas seguintes; a realidade sem enfeites, como roqueiros dos anos 2020 sonham em fazer. Ela traçava perfeitamente a linha entre dizer demais e de menos, sugerir romance no explícito e tragédia no subliminar (Amy falava de gozar pensando n’outro, mas falava de voltar à escuridão no luto do amor).

Eu diria que a sinceridade boca-suja da artista era algo que só se encontra hoje numa Billie Eilish da vida (que, curiosamente, também encontra suas referências tanto nos anos 60 quanto no hip hop). Mesmo assim, Billie não procura ser Amy, inclusive porque é incapaz de sê-la.

Acho que a resposta para “Por que Amy dura até hoje” pode ser resumida em dois argumentos: primeiro porque, a sua maneira, ela inovou muito mais que fazia ideia. Segundo porque nunca haverá outra Amy.

Esses são argumentos suficientes.

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* Dora Guerra escreve coisas legais no Twitter dela, o @goraduerra, até hoje.



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