A megaestrela do rap americano ainda que canadense, o Drake, lançou faz dez dias, de surpresa, seu sétimo álbum, “Honestly, Nevermind”, numa pegada recente de house music e de breakdance à la Baltimore, nova tendência na música dance americana do andar de cima, né, Beyoncé?
Se o novo disco vai ser um sucesso? Claro que vai!
E por que isso incomoda tanto a nossa Dora Guerra, da Semibreve?
O Drake sempre me incomodou.
Em parte, ele o faz de propósito: em sua relação com o hip-hop, o artista opta por manter as coisas em um nível vendável, aderindo a memes de si mesmo e ostentando sua vida sem a menor vontade de se igualar aos mortais.
Drake não vem prometendo nada mais que um largo sorriso típico de quem é milionário, sem protestos conscientes escondidos sob a superfície. Ele não é, nem quer ser, Kanye West ou Kendrick Lamar.
Não! Drake quer ser o rapper que agrada as massas sem levantar questionamentos. o jogador de futebol que é astro, mas gasta seu dinheiro em NFTs de macaco e não fala muito da parte política. sua relação com o hip-hop, hoje, é sonora e comercial.
É assim porque se trata de uma relação frutífera, aliás: queira eu ou não, Drake tem lá sua parcela de culpa pelo próprio sucesso.
O artista viu um potencial pop no hip-hop como nunca antes. Dividia fazer rap com cantar de forma distinta no mercado mainstream, tendo “Take Care” como (reconhecidamente) uma música divisora de águas. Na linha de Kanye, ele entendeu que rap, pop e R&B podiam ser uma coisa só – o que definiu muito da estética sonora que veio em seguida, nos anos 2010 pra frente.
Isso é coisa de quem sabe encontrar os nichos onde se destacar. Uma vez encontrados, Drake martelou neles como ninguém. Acertou em “Passionfruit” e “One Dance”? Então vamos tentar fazer mais 20 delas.
Drake mirou em ser o cara que toca em festas com apelo massivo, mas infalível; foi além da definição de rap e visitou diversos outros gêneros musicais (em sua mais nova empreitada: a house) de forma branda o suficiente para não incomodar ninguém. E, claro, de forma a não entregar nada de muito inspirado ou inspirador.
Isto é, além de um vídeo em que ele se casa com umas 30 mulheres (ou uma capa de álbum com emojis de várias mulheres grávidas. Entendemos, Drake! Você é o fodão que pega todas).
Drake é um produto e não se vê como mais do que isso. Com álbuns ou EPs lançados em 2009, 2010, 2011, 2013, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, ele vai além de ser uma pessoa altamente produtiva: entre os últimos discos, há alguns com 20 músicas ou até mais.
O cara produz muito, sim, mas também não filtra. De propósito, aliás. O resultado, inevitável e sem distanciamento entre artista e música, é uma homogeneização de tudo.
Drake virou uma armadilha de streams: basta uma tentativa de ouvir um álbum inteiro – ou, que seja, meio álbum – que você passa a tê-lo como um dos artistas mais ouvidos do mês (mais uma vez, o cara é uma máquina de números). E quem tem que filtrar é você, passeando entre as inúmeras faixas até encontrar o que valha tocar no seu fone ou nas rádios.
Eu não vejo mal em se enxergar como produto: todos eles se enxergam e de fato são. Nem todo mundo precisa sair do superficial e criar arte profunda, inovadora, revolucionária. Mas Drake me incomoda pela forma em que deixa claro o quanto ele não está tentando.
Ele não precisa de mais dinheiro ou mais sucesso. Em um ponto em que artistas geralmente optam por arriscar, o mais próximo que vem de Drake é um gênero que vale a pena explorar (vê lá: Beyoncé também foi caçar a house). Mas no caso dele, não há profundidade, variação ou mensagem: ele quer a versatilidade e o sucesso sem o estudo do que ele procura fazer.
Drake daria um ótimo guru de marketing, se me perguntarem. E o que ele quer nos dizer, afinal, que já não tenha dito nas últimas 132897 músicas lançadas nos últimos cinco anos?
O pior é que ele não quer dizer nada.
Honestamente, deixa pra lá...
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* Dora Guerra não quer incomodar ninguém com os tweets dela no @goraduerra, mas às vezes escapa.
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