SEMILOAD – TikTok? Clubhouse? Como o Tumblr, na surdina virtual, explica a música de hoje

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* Ok, vivemos a era do TikTok e essa acolhida fulminante ao Clubhouse, que parece bem legal aos anseios modernos ao mesmo tempo que levanta umas suspeitas de sua importância duradoura, nos fez querer botar uns pingos nos is, em relação ao que a gente mais gosta: a música. E a Dorinha Guerra, nossa pensadora think tank predileta, autora da newsletter mais necessária da música nova, a Semibreve, tem uma outra coisa para falar sobre o tema. Ou muitas coisinhas, já que o delicioso texto dela é nosso The Long Read predileto.

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Semana passada, bati um papo aqui sobre um tal de indie-mental health – um movimento de músicos (majoritariamente no “indie”) que vem levantando pautas sobre saúde mental, com muito menos medo dessa vulnerabilidade do que tempos atrás.

Esse movimento é, inegavelmente, relacionado a uma mudança geracional: percebo claramente que meus amigos têm muito menos dificuldade com terapia, fragilidades e possíveis transtornos do que a geração dos meus pais e afins. Além disso, dá para enxergar um processo no próprio mundo da música, que atravessa momentos mais introspectivos e autorreflexivos. Mas um culpado dessa história – um culpado de muitas mudanças na música e na cultura, na verdade – é o site social Tumblr.

O Tumblr mudou a cultura pop talvez na mesma proporção que o TikTok o faz, mas com uma relação menos clara e imediata. Não é de hoje que redes sociais causam mudanças significativas na música – e quando um Clubhouse da vida surge, todo mundo corre atento para esperar o impacto que a plataforma vai causar. Mas, em alguns casos, essa influência é mais subjetiva e não tão fácil de localizar.

É o caso do Tumblr: um espaço mais denso, misterioso e até subestimado. Com sua carinha de plataforma confessional – uma extensão da ideia de blog –, mas aspectos sociais específicos, o Tumblr reproduz uma estética bastante cuidada, com gifs, imagens e vídeos tratados com atenção.

Seu público é majoritariamente composto por adolescentes que encontram algumas de suas coisas preferidas por lá: identificação com outros de todo o mundo e anonimato/privacidade. Naturalmente, é por si só um terreno fértil para a cultura pop e sua relação direta com fãs em qualquer lugar do mundo. Formador de fandoms, gostos e consciências.
Um legado essencial do Tumblr (quase óbvio, à primeira vista) é estético – é isso que o faz tão bem-sucedido, movendo milhares de usuários a reblogar algo simplesmente porque é bonito, fotográfico.

Afinal, temos muito a culpar no Tumblr por mesclar todas essas épocas e linguagens visuais em uma mesma timeline. No meu próprio Tumblr de 2012 (que absolutamente não vou expor aqui), eu orbitava entre 1960 e 2010 com a mesma fluidez, reblogando fotos dos Beatles em Hamburgo e posts com letras do XX. Esse era um dos méritos da plataforma: fazia qualquer época parecer palpável, nos relembrando constantemente que era possível fazer uma rápida viagem no tempo. E o passeio temporal não é um problema, mas a regra musical é clara: no Tumblr, música deve ser constantemente ostentada, extremamente visual e ela diz quem você é o tempo todo. Algo feito exibir uma coleção de LPs, mas mais imagético e constante.

E a rede tem seus filmes, séries e capas de discos preferidos (“500 Dias com Ela” que o diga: inventou a romantização do ato de falar sobre The Smiths no elevador). Compilando tudo, o Tumblr serve como uma espécie de máquina do tempo a um falso vintage, de uma época inexistente; dentro da plataforma, é possível romantizar qualquer coisa. Entre cenas clássicas, melancólicas e desabafos amorosos, você acaba por glamourizar inclusive seu próprio sofrimento adolescente.

A nata desse universo estético nos últimos anos (e que não o larga, jamais) é a própria Lana Del Rey – “Video Games” é exatamente a representação etérea, caseira e romantizada do sofrimento de um relacionamento problemático. No vídeo, tem uma dose de tudo: imagens filmadas em casa, as de stock atuais, efeitos de filme antigo e diversas cenas em que a gente projeta toda a história. Aliás, cada pedaço daquele vídeo é reblogável, projetável, romantizável; assim ela o fez durante toda a sua carreira, repetindo a fórmula de sucesso estendendo esse universo, mas jamais o abandonando. E, assim, tornou relacionamentos abusivos o tema de versos bonitos e vídeos nostálgicos.

Para além de Lana e discípulos, a estética Tumblr se estende no universo musical e deixa suas pegadas em todo canto: afinal, na plataforma, os posts são interessantíssimos e sempre atraentes, com recursos gráficos minimalistas; são pseudoanalógicos, íntimos, cheios de granulados e desabafos. Haja capa de disco e single que se inspira nisso – um exemplo perfeito é a capa do “ye”, do Kanye West (aquilo ali poderia ser facilmente um post do Tumblr, e coincidentemente, é um exemplo também dessa “nova” preocupação com saúde mental). Mas a lista continua eternamente: capas da Florence + The Machine, dos discos do Twenty One Pilots, do Mac DeMarco, até de Recomeçar, do Tim Bernardes… O indie (ou o que quer parecer indie) e o Tumblr naturalmente se atraem.

Mas outra consequência essencial da rede – e que resulta, de modo geral, em uma mudança importante no cenário da cultura pop – é o fato de que ela serviu como incubadora de uma juventude diferente; talvez justamente porque ela aprendeu a se reconhecer diferente. Um estudo chamado New Rules for #20gayteen explora bem esse aspecto: a plataforma funciona como uma bolha LGBTQ+, extremamente autocelebratória e sedenta por produtos culturais que a representa. Daí vem muito do próprio Harry Styles, que deixa pequenas pistas para um fandom se debruçar sobre, dissecar até.

Esses discursos atravessam a própria música e, desta vez, você consegue acompanhar a discussão de modo público – pode ver, ao vivaço, quais letras são exaltadas e o que funciona. Surgem as teorias da conspiração sobre casais homossexuais, aplicadas a cantores que nunca sequer se assumiram LGBTQ+ – surge Larry Stylinson, Taylor Swift e Dianna Agron, essa coisa toda. Aos poucos, formou-se um público que entende o que é “queerbaiting” (e decide se o aceita), que exige representatividade e entende seu lugar.

Se os artistas e a indústria estão diferentes hoje, é que rolou um fenômeno anterior fortíssimo: o público mudou muito, antes de tudo.
Não só no sentido de compreender gênero/sexualidade, mas em todos os sentidos de identidade: vários outros estudos corroboram essa ideia do Tumblr enquanto um lugar em que consciências se formam – com um feminismo jovem, celebração de todos os corpos, tudo isso.

Com uma potência que só a internet pode proporcionar, a plataforma serviu como um liquidificador de tudo que você vê espalhado na Gen Z e afins: papos de saúde mental, sexualidades, arte, nostalgia, melancolia, introspecção. Claro, coisas que, em uma ou outra medida, são tipicamente adolescentes – mas talvez, graças ao Tumblr, os mesmos padrões tenham marcado uma mesma geração em nível mundial.

Afinal, um Tumblr da vida explica essa leva inteira (na qual eu ando me aprofundando) de artistas queer/indie mental health/lo-fi de letras minúsculas que veio em seguida – uma galera que, muito provavelmente, descobriu muito de quem era e do que gostava na plataforma. Convenhamos: basta ver um vídeo do Troye Sivan para ter certeza de que ele já teve um Tumblr.
Mas não só: a lista é longa. King Princess, Claud, Olivia Rodrigo, Lorde, WILLOW, até Manu Gavassi. Quando você traça um padrão entre todos esses artistas – e pensa no que os influenciou até aqui –, existe esse culpado pouco mencionado, mas que merece uma atenção especial. Sem o tumblr, não existiria muito do que há de bom na música – pelo menos não tão encorpado quanto é.

E eu posso provar.

Ou ainda: basicamente, o Tumblr explica a playlist lorem inteirinha.

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* As imagens usadas neste post e na chamada da home da Popload são do vídeo de Lana Del Rey para a música “Video Games”, seu primeiro hit.

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