Whatever people say I am… O dia em que entrevistei o Alex Turner, do Arctic Monkeys, sem que ele soubesse que estava sendo entrevistado

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* No dia 23 de janeiro de 2006 saía na Inglaterra, em CD e vinil, ou para compra virtual sem direito a streaming no iTunes, o álbum de estreia da banda inglesa Arctic Monkeys, o fabuloso “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not”.

Para dizer o mínimo da importância desse disco que acabou de completar 15 anos e recebeu lembranças nas redes sociais e em algumas publicações no último sábado, seu aniversário de debutante, ele representa o mais bem acabado resultado de uma era que juntou o importante novo rock com o “angst” juvenil e fez a perfeita transição da indústria musical do disco e da indústria musical da internet.

Enfim. lá em 2006, pouco mais de dois meses depois que o disco tinha saído na Inglaterra com a marca de álbum de estreia mais vendido na primeira semana na história, FEITO QUE É MANTIDO ATé HOJE, 364 mil cópias físicas em sete dias (fora as vendas virtuais que não estão computadas e fora toda a velocidade com que o disco foi baixado na base da pirataria), o Arctic Monkeys se apresentou nos EUA. No festival de música nova do Texas, o South by Southwest. E a Popload estava lá para vê-lo.

A linha do tempo foi assim. Dia 23 de janeiro o “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not” saiu na Inglatera. Um mês depois, 21 de fevereiro o disco foi lançado nos EUA. Um mês depois, em Austin, no Sxsw 2006, a banda se apresentaria em concerto único no festival. Num lugar “médio” chamado La Zona Rosa, em Austin. E os Monkeys tocariam na abertura do grupo californiano Cold War Kids, que estava bombando a níveis indies à época com o single “Hang Me Up to Dry”, nas rádios alternativas americanas.

O “showzinho de banda de abertura” do Arctic Monkeys no Sxsw seria a segunda visita da banda inglesa na América, mas a primeira com tooooooooodo o barulho do disco lançado. Do Sxsw eles retornariam a uma turnê de uma dúzia de concertos nas principais cidades dos EUA, começada dias antes. O festival de Austin era só uma “parada estratégica” para os Monkeys no evento que é uma das maiores vitrines da new music mundial.

Mas, na véspera dessa apresentação tumultuada no La Zona Rosa, com o marrento Alex Turner tocando de mau humor e com o capus do moletom dele cobrindo sua cabeça, rolou um encontro acidental meu com o vocalista e guitarrista do AM, num bar. Mais ou menos acidental, mas enfim.

E é essa historinha que eu quero contar aqui, à luz do aniversário de “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not”.

Na verdade, recontá-la. Do jeito que saiu à época na capa da Ilustrada da Folha de S.Paulo. Eu botei no jornal a conversa rápida que eu tive com Alex Turner naquele bar na noite anterior ao show americano deles. Porque a conversa era exatamente para combinar uma entrevista no dia seguinte. O disco sairia no Brasil em abril daquele ano, no mês seguinte. Mas essa entrevista “combinada” naquele bar acabou nunca acontecendo. Então eu fiz do papinho um texto enorme mesmo assim.

O que saiu na Folha foi o seguinte:

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Os 363.735 britânicos que compraram o disco deles na primeira semana de lançamento não podem estar errados. David Bowie, Mick Jagger e Noel Gallagher, fãs declarados deles, não podem estar errados. O festival South by Southwest, com 1400 bandas e 65 bares, reservar um galpão gigante para o show deles não podia estar errado. A banda inglesa Arctic Monkeys, no quesito “música que importa hoje”, é mesmo a tal.

“Ei, Alex. Seu disco vai ser lançado em breve no Brasil e eu queria falar um pouco sobre ele com você. Podemos conversar amanhã?”, disse este colunista a Alex Turner, 20 anos, o líder do grupo que é fenômeno da internet, recém-chacoalhou a parada de álbuns e singles do Reino Unido, está no meio de uma agitada turnê nos EUA (13 shows esgotados há tempos) e, naquele momento, aproveitava a fama indie bebendo com companheiros de bandas e amigos de muitas outras bandas no pequeno bar Eternal, que só pode vender bebidas para maiores de 21 anos.

Turner, assim como alguns caras dos Strokes, metade do rock inglês presentes no colossal festival de música nova do Texas, os DJs da Radio One inglesa (BBC), os atores Ellijah Wood e Charlize Theron, se espreme no bar Eternal para ver o show-surpresa do Flaming Lips, a primeira apresentação americana do Dirty Pretty Things (ex-Libertines) e o badalado Clap Your Hands Say Yeah (Nova York) fechando a noite. O Arctic Monkeys, de Turner, só tocaria no dia seguinte.

“Cara, eu não sei o que vão me dizer para fazer amanhã, onde vão me levar. Sei que tenho alguns programas de rádio, uma TV e um jornal americano para atender. Você vai ao show amanhã. Consegue chegar mais cedo lá?”, falou Alex Turner, que acabou de sair da adolescência, mas carrega no rosto tantas espinhas que parece estar no auge dela.

“Você é do Brasil?”, disse Turner, lendo a credencial do repórter. “Eu tenho uma coisa com o Brasil. Eu sonho algumas vezes que eu estou no país. Como é o rock lá? Adoraria ir para o Brasil algum dia”, falou, sem saber explicar o porquê da encanação brasileira.

O papo continuou e Alex Turner falou do zunzum todo que cerca o Arctic Monkeys, os shows nos EUA e a vida de novo rock star.

“Os shows aqui na América têm sido intensos. O bom é que nunca sabemos o que vamos encontrar. Tem lugares que já nos adoram sem nunca ter nos ouvido. Tem lugares que já não gostam da gente de cara, por causa de tanta falação do lançamento do nosso disco na Inglaterra e das vendagens. Eu não ligo e só me divirto. Tudo é novo para nós”, afirmou Turner.

O primeiro CD do Arctic Monkeys, “Whatever People Say I Am, That’s What I Am Not”, será lançado no Brasil pela gravadora Trama agora no começo de abril, segundo o previsto. Quando saiu na Inglaterra, no fim de janeiro, bateu o recorde de “o disco de estréia que mais vendeu na primeira semana na história da música inglesa”. Fora do Reino Unido, “Whatever” segue causando bons estragos. Atingiu o número 1 na Austrália na semana do lançamento. E bateu no 24º lugar nas paradas americanas, o que está longe de ser pouco: é o mais alto posto alcançado nos EUA por uma banda indie de guitarras desde que a “Billboard” existe.

Na Inglaterra, a “monkemania” move a garotada. Considerado poeta da nova geração, junto com o problemático Pete Doherty, Alex canta o dia-a-dia de um moleque inglês comum. Mas mistura nas letras, junto com a tentativa de azaração de uma menina bonita numa pista de dança, citações de Shakespeare e conhecimentos de um passado musical de um tempo em que nem era nascido, como em “I Bet You Look Good on the Dancefloor”. A música é o primeiro single oficial do Arctic Monkeys, que também bateu no primeiro da parada britânica, a época em que Coldplay e Franz Ferdinand não conseguiam ultrapassar o sapo de ringtones Crazy Frog nas vendagens.

“A música ‘Dancefloor’ não é sobre nenhuma menina em particular. É sobre milhares de garotas que já me puseram nessa situação de olharem para mim num clube ou bar, eu ficar interessado, mas depois dizerem que eu imaginei que elas estavam olhando”, afirmou Turner, sobre o tal primeiro single que, quando chegou às lojas, o Arctic Monkeys já era conhecidíssimo por frequentadores da internet e já abarrotava tanto seus shows pela Inglaterra que muitas vezes o concerto era transferido para lugar maior.

Hoje em dia, por causa do Arctic Monkeys, isso com as meninas não deve estar acontecendo muito mais, não?

“Agora não muito”, disse, sorrindo, enquanto tentava dar alguma atenção à performance da banda Dirty Pretty Things, que é o Libertines de nome novo.

“O Libertines foi a principal banda da Inglaterra dos últimos anos. Minha predileta, depois de Oasis”, disse o líder do Arctic Monkeys, que confirmou ter desenvolvido seu aprendizado na guitarra tocando músicas de Libertines e Strokes.

Porta-voz dos teens ingleses como o primeiro e fenômeno de internet como o segundo, o Arctic Monkeys parece exatamente ser um produto originado do melhor que tanto Libertines e Strokes entregaram à música pop nos últimos anos. Mas com uma performance ao vivo bem mais empolgante.

O AM lembra inclusive o citado Oasis quando apareceu, num paralelo ao resgate do orgulho britânico que os Gallagher ajudaram a causar, nos anos 90, época de domínio da estética grunge americana no pop. Com influência até na moda street da periferia das cidades inglesas, o Arctic Monkeys provocou uma engraçada onda de procuras por camisetas pólo das marcas britânicas, tal qual os meninos da banda usam, indicando um esgotamento do estilo chav, que com calças de agasalhos Nike e camisetas folgadas, procuravam imitar os rappers americanos. É o chamado sentimento “anti-Nike”.

O Arctic Monkeys não tem encantado só os mais novos. O jornalista pop, radialista e escritor britânico Andrew Collins escreveu na adulta revista “Word” que a banda de Alex Turner mudou sua vida e é a melhor coisa que ele vê na música desde os Smiths. Collins, 41 anos, aponta que sua primeira adoração na música foi o Electric Light Orchestra, em 1977.

O crítico e escritor Simon Reynolds, mapeador do punk inglês e americano, foi convidado a resenhar o CD de estréia do AM para a revista americana “Blender” e disse que o disco é um vivo e vigoroso documento da dura vida de um teenage em Sheffield (terra do Arctic Monkeys), mas reverberando no mundo todo.

“Quando o disco sai no Brasil? Abril? Aparece no show amanhã, para conversarmos mais”, disse Alex Turner. Apareci. Antes e depois do show, não havia a menor condição de chegar perto dos Arctic Monkeys.

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