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* Até já escrevi sobre isso por aqui uma vez, mas acho que incrivelmente ficou mais sério. Aproveitando um texto meu para a Folha de S.Paulo, ontem, reproduzo aqui o caminho que o hino indie “Seven Nation Army”, do White Stripes, percorreu para virar, de “apenas um hino indie”, como acabei de falar, a música mais importante do futebol de todos os tempos. Ou estou exagerando?
* Ô-ooooo-ô. Ô-ooooo-ô.
Talvez a Fifa, organizadora da Copa, nem saiba de onde venha ao certo, com exceção do responsável por pagar direito autoral na entidade. Grande parte da audiência do Mundial em todo o planeta, de TV aberta, a cabo ou via internet, não deve ter conhecimento preciso de que canção é esta, para além dos ô-ôs e como ela foi parar ali, embalando a entrada das seleções em campo para os jogos da Rússia 2018, antes de os hinos dos países serem entoados e a partida começar. Quem acompanha bem futebol até pode conhecer sua história. Ou parte dela.
Direto ao ponto, o som é a corruptela de um hit improvável da música independente, criação de uma banda peculiar de Detroit, EUA, chamada White Stripes, que já não existe há alguns anos. E não que o coro seja parte de um refrão. É uma melodia cantada.
A bizarrice é ainda maior porque tal canção, “Seven Nation Army”, ganhou primeiro as arquibancadas do futebol com as torcidas reproduzindo com a boca seu som de baixo do começo da música. Um baixo feito em guitarra e com efeitos de pedais, porque o White Stripes era na verdade um duo constituído apenas de um guitarrista (Jack White) e uma baterista (Meg White). Sem baixo.
O que a Fifa oficializou este ano já existe em Copa desde a Alemanha 2006, quando “Seven Nation Army” virou o tema da vitória da campeã Itália, mas segundo estudos (meus) começou três anos antes, na Champions League, com uma torcida belga.
A música foi lançada pelo White Stripes em março de 2003, no meio de uma pequena revolução da música alternativa liderada por eles mesmos e pelos nova-iorquinos do The Strokes. “Seven Nation Army” foi o primeiro single a sair de “Elephant”, o quarto álbum da banda e seu mais bem-sucedido, tanto nas paradas britânica como na americana.
O sucesso da canção entre os indies foi imediato, em shows, rádios, pistas. Rock que dava para dançar, mais ou menos. E logo alcançou um território mais expandido de ouvintes. Daí para a música ser cantarolada por galera em festivais de verão na Europa, porque o White Stripes passou a aparecer em tudo quanto é escalação, foi rapidinho.
Aí ganhou as arquibancadas. Os primeiros registros dão conta que torcedores do Brugge passaram a cantar a música durante uma visita a Milão, em jogo da Liga dos Campeões no final do mesmo 2003, zebramente vencida pelos belgas. “Seven Nation Army” teria tocado no sistema de som de um bar nas cercanias do estádio San Siro pré-jogo, cheio de torcedores visitantes, que cantarolaram tal qual público dos festivais daquele ano, não pararam de cantar inclusive no pós-jogo, e assim adotaram o “Ô-ooooo-ô” para o time deles.
O próprio White Stripes se assustou com as proporções que a música tinha tomado na carreira da banda quando justamente na Bélgica, em 2004, um show no megafestival importante de lá chamado Pukkelpop, desses para mais de 100 mil pessoas, o público esperou o grupo americano entrar em cena com um ensurdecedor “Ô-ooooo-ô” do hit.
Com “Seven Nation Army” se espalhando por plateias de música e de futebol como uma praga nos anos seguintes, chegamos a um jogo da Copa da UEFA no começo de 2006 em Brugge, quando o time local recebeu a Roma, da Itália. Nessa época a música já era ouvida em arquibancadas da NFL e NBA, principalmente nas categorias universitárias desses esportes americanos. Mas nesse jogo específico da Bélgica a associação “Seven Nation Army”-futebol ficou séria: torcida do Brugge cantando a música, torcida da Roma admirando a cantoria rival. Diz a lenda que o craque italiano Francesco Totti saiu do jogo querendo comprar o disco do White Stripes que continha “Seven Nation Army”.
Corta para alguns meses depois, quando a Itália triunfou no Mundial da Alemanha, com o “Ô-ooooo-ô” do White Stripes virando uma espécie de hino não-oficial dos italianos, ganhando até uma letra nova. “Seven Nation Army” então virou de domínio público. Ou domínio futebolístico público, para muito além da música. No Brasil, ela ainda é cantada pela torcida do Internacional de Porto Alegre.
O autor da música, Jack White, nunca deu muita trela ao fato de “Seven Nation Army” virar, de repente, a música mais famosa do futebol (ou do esporte) mundial em todos os tempos, dado primeiro o seu alcance orgânico para agora ter virado oficial pela Fifa, 15 anos depois de ser composta.
Em uma rara entrevista sobre o assunto, em 2016, ele afirmou para um jornal de Detroit, sobre “Seven Nation Army” ter conquistado outros mundos além da música independente, ou mesmo além da música em si: “Quanto menos as pessoas souberem de onde a música veio e ainda assim seguirem cantando ela, mais está de acordo com a tradição da música folk. E quanto mais ela seguir anônima e seu alcance só aumentar, mais eu fico orgulhoso de ser o autor”.
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Banda norte americana – país que detesta futebol! k ironia…