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* Throwback friday. Há uma semana o ícone do punk rock indie garagem Iggy Pop se apresentou no Popload Festival, em São Paulo, mostrando não só um “fôlego de maratonista” e fazendo muito além que um “desfile de hits” blablablá. Não é lá tão surpresa assim, mas Iggy Pop revelou ainda, para nós poucos, que também tem LIGAÇÕES COM O DEMÔNIO.
Bom, pelo menos isso acha o leitor poploader Thiago Pacheco Ferreira, que no dia seguinte ao show, ainda com suas crenças no divino abaladas, escreveu sobre a apresentação de Iggy Pop e mandou para mim. Acabo achando que o Thiago fez uma das resenhas que mais representaram o que de fato aconteceu no nosso festival, sexta passada, no Audio Club.
Amém, Iggy.
“Ontem à noite, pela primeira vez na vida, eu vi o capeta.
Já passava de meia noite. Não foi numa encruzilhada, embora ele já tivesse passado por lá. Veio na minha direção, cantando e correndo, lançando-se à borda do palco como se estivesse se jogando em um precipício – outro lugar onde já esteve diversas vezes. Parecia um cão velho de sítio, daqueles que você julga acabado até se surpreender com sua vivacidade na briga com a cachorrada do sítio vizinho ou ao correr atrás de alguém que passa pelo portão.
Ele quer ser nosso cão. Rosna, grunhe – canta rock’n’roll. Tira a jaqueta de couro de fundo carmim. Contorce o corpo. Quando anda, assumindo sua finitude, manca; quando se agita como um pateta, assumindo sua persona demoníaca, faz parecer alguém que está além do tempo, que insiste em desafiar a deterioração física.
Abre os braços como Cristo na cruz. Mas o filho de Deus está preso, e Iggy está solto. A isca para atrair o público não é o amor espiritual e o sofrimento em nome do povo. É também o amor, mas carnal: de mãos estendidas, projeta sua pélvis. Quer possuir o público, e quer que a plateia o possua. Não fica imóvel no alto, observando: se joga sobre a massa, mistura-se a ela. Joga água no corpo para aplacar o calor dos infernos, dissipar o cheiro de enxofre. Para conquistar, além de cão, transfigura-se em outras formas.
Desnuda a ambiguidade roqueira: da ingenuidade e infantilidade do pateta, em um movimento passa à languidez da stripper. Em meio a tudo isso, não é preciso cantar as letras. As palavras encharcadas de sexo, drogas e diversão sem limites enfatizam o espírito (mais, o próprio ethos) roqueiro. No entanto, guitarras, teclado, bateria, baixo, vocal – tudo se une em um conjunto tribal, uma batida musical enfeitiçada o suficiente para levar ao transe. Que funciona, elevando o grau de consciência da plateia e fazendo-a experimentar um tostão da vida embaixo da terra, ao lado do capeta.
Iggy sai do transe algumas vezes. Para reclamar do microfone, curvar-se em agradecimento à recepção, introduzir alguma música, fazer graça com o fuckin’ público. Volta para o bis e, ao final, dedica a última música a antigos amigos que já se foram. Parece querer dizer me aguardem, logo mais estou aí no Inferno com vocês. E vou levar estas almas todas comigo.”
** A foto do Iggy Pop deste post é do Ivan Pacheco. A da home da Poploa é de Gabriela Biló, do “Estadão”. O vídeo, do parça Alexandre “Sujos” Matias.
** O Popload Festival tem o patrocínio da Heineken. Se beber, ouça Iggy Pop. E não dirija.
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