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* Mais uma das colunas especiais de fim de semana da Popload, publicada excepcionalmente nesta segunda-feira por motivos de loucura paulistana de shows, festas e clubes. Agora é a vez também de falar de cinema, com texto do jornalista e blogueiro Tom Leão, um dos caras mais importantes na informação da cultura indie do Rio desde os tempos do importantíssimo e hoje saudoso Rio Fanzine, do jornal O Globo. Tom responde pela Popload Cinema Club. Que aí embaixo trata de…
Popload Cinema Club — por Tom Leão
Lá vamos nós com mais uma cinebiografia. Desta vez é “Get on Up”, filme sobre a vida do padrinho do soul e rei do funk, James Brown, prevista para ser lançada no Brasil no dia 5 de fevereiro. Assim como as de Johnny Cash e Ray Charles, esta só não é melhor porque releva muita coisa mais “punk” da vida do artista funk (principalmente a fase final, com as drogas pesadas e a loucura com armas, embora isso seja mostrado, de leve, num dos cortes narrativos do filme) e de sexo, por ter censura PG-13, o que restringe certas temáticas.
Mas “Get on Up” ganha levemente das cinebios de Ray e Cash pela narrativa. E pelo ator principal. O filme tem uma levada não-linear. Começa com Brown entrando em um tunel que o levará ao palco de mais um big show. E, no trajeto, ele começa a relembrar fatos de sua (dura e sofrida) vida, que tem muito em comum com a de Ray: negro pobre, nascido no sul dos EUA, filho de pais separados e que enveredou, por necessidade, para a vida do crime. O que, no caso, foi bom. Pelo menos para nós, os fãs.
Foi na cadeia que Brown teve contato com a música e viu que aquilo o levaria adiante. Já o ator que faz o godfather, Chadwick Boseman (egresso dos teatros da Broadway), realmente canta e dança todas as partes, e tem o suingue, o soul, a negritude (algo que falta um pouco, por exemplo, nos atores que fazem o nacional Tim Maia, que se garantem apenas no tipo fisico).
Nos primeiros 20 minutos a gente demora a se acostumar com Chadwick, porque a imagem de Brown ainda é muito forte. Mas, logo, ele nos conquista, fazendo JB jovem, na fama, na lama, mais velho, bacana, maluco, e, sobretudo, dançando como ninguém jamais dançou igual antes (e que influenciou de Mick Jagger a Michael Jackson nos passos, fora o legado musical em si).
Não por acaso, o rollingstone Jagger é o principal produtor do filme (e aparece rapidamente representado nele, numa passagem em que Brown abriu para os Stones, na primeira ida da banda aos EUA, e que, positivamente, marcou Mick, que pirou na dança do negão), que, apesar de suas qualidades, não teve indicações ao Oscar, como aconteceu com as cinebios de Ray (que deu melhor ator a Jamie Foxx) e “Johnny & June” (a de Cash, que levou Joaquin Phoenix a cantar todas as partes para soar verossimil, e premiou a June de Reese Whiterspoon). Injusto com Chadwick Boseman, que encarna JB de forma espetacular.
Quem viu Mr. Funky Man ao vivo (como eu tive a oportunidade, em sua ultima passagem pelo Brasil, em 1988), percebe. Aliás, quando James Brown passou por aqui nessa vez, fui à coletiva de imprensa e presenciei uma cena inusitada: ao tentar traduzir “negro” para o inglês (que, na epoca, antes do politicamente correto “afro-american”, se dizia “black man”), a tradutora se embananou e disse “nigger”. Pra quê? Mr. Brown levantou-se puto dentro das calças e abandonou a coletiva. Até que os ânimos fossem acalmados e explicassem para ele que foi uma gafe, não-intencional. Mais tarde, no show do Maracanazinho, ele mostrou que foi o inspirador dos passos de Tony Tornado, e o rastilho de pólvora que ajudou a incendiar o movimento Black Rio, origem do funk carioca. Mas JB foi muito mais. Tanto, que nem cabe tudo no filme. Não perca.
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