TOP 50 DA CENA – O novo mundo sob o olhar de Tori. Janine Mathias cai no rap (mais ou menos). E Flau Flau diz bye bye. Este é o pódio da semana pesada

O Brasil e suas cenas recorrentes. A chacina no do Rio de Janeiro faz a gente lembrar dos versos de Caetano Veloso e Gilberto Gil em “Haiti” sobre outra chacina, aquela de 2 de outubro de 1992, registrada também por Mano Brown em “Diário de um Detento”: “E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo/ Diante da chacina: 111 presos indefesos…”. Não é hora de silêncio. Do pouco que podemos fazer daqui, lembrar de algumas canções é o que sustenta alguma esperança. Mesmo a simples esperança de tornar a semana do leitorado mais leve, mais feliz por te ajudar a encontrar alguma música que lhe diga algo. Afinal, esse é o poder da canção: elas registram a história ao mesmo tempo que mudam a história também. Ainda temos fé nisso. Se não agem sozinhas, lógico, alteram a realidade, sim. A realidade do país ou a realidade aí no seu quarto, dentro do que acontece entre dois fones de ouvido. Só pensar em Caetano, Gil e Brown aqui citados. Quantas vidas alteradas por alguns versos. Nos dias mais tristes deste país, apelamos a elas.      

Um novo olhar para o mundo e você não está mais no mesmo lugar. Tori acredita nisso e tira a gente da mesmice ao mostrar a natureza que corre pelas cidades através dos rios que passam pelos céus (“Rios Áereos”), a força da música no universo (“Harmonia É do Mundo”) ou amor responsável pela gente, o amor dos avós (“Júlia e Bebéu”). Deslocar do comum. Ser lírico no real. Enxergar o invisível. Ela é areia mostrando os caminhos do vento em dunas. Faz sentido contrair seu nome, Vitória, para o pouco usual Tori. São tentativas do novo. Roubando uma frase do filósofo alemão Hebert Marcuse, ela nos traz o ar que nós também queremos respirar um dia.

Por falar em inversões e deslocamentos, Janine Mathias cruza o conhecido caminho entre o samba e o rap pela rota contrária, como indica o nome de seu novo álbum, “O Rap do Meu Samba”. É assim que vemos, por exemplo, o quanto de rap já morava no versado de Leci Brandão, na clássica “Deixa pra Lá” de 1976, um samba sobre coragem e resiliência. “Amanhã será melhor”.    

Flau Flau é uma artista da Paraíba que chega anunciando que faz “rock do seu jeitinho”. E o jeitinho é bom, viu? Fã de Boogarins, ficou amiga de Dinho dez anos atrás, quando coloca em todos os shows possíveis da melhor bandinha de rock do Brasil. Corta para 2025 e temos Flau Flau produzindo sons com Ynaiã Benthroldo e Dinho, que participa dos vocais de “Bye Bye”. Essa música sobre ir atrás de ser alguém é muito inspirada justamente na vontade Flau Flau de seguir sua banda predileta. “Fui e vou pra tantos shows porque as músicas dos meninos e de Dinho me fazem sonhar e vibrar muito forte, ter vontade de viver. É disso que trata ‘Bye Bye’”. Sabe o papo de “quem estraga é o fã-clube”, né? Não é o caso aqui. 

Por falar no Boogarins, a banda celebra os dez anos do álbum “Manual” com uma edição de luxo com demos, remixes, versões estendidas e material ao vivo. Difícil não se apegar nesta versão ainda em rascunho da maravilhosa “Benzin” ou na mix 2014 de “Avalanche”, que dá outro gás na música. Boogarins já é história, que bom.

“Um hotel, onde cada porta guarda um tema, mistérios, demônios. Compor o disco foi como mapear esse território psíquico”, é assim que Yma descreve seu segundo álbum, “Sentimental Palace”. Na sala de “Rita”, cantanda com Sophia Chablau, encontra Yma às voltas com um amor que não cabe nas regras da monogamia, mas onde cada escapada ainda fere sabe se lá por qual razão: “Na janela corta ansiedade tóxica/ Minha boca sangra”. 

Um dos encontros mais legais do ano são as vozes de Silvia Machete e Teago Oliveira juntinhas em “Vida de Casal”, uma composição sobre a maturidade de um amor parceiro. A duplinha se reencontra em “Pessoa Nefasta”, regravação da composição de Gilberto Gil presente em uma nova versão do álbum “Raça Humana”. Uma turma se juntou para regravar o disco todinho – Ana Frango ficou com “Extra II”, Jovem Dionísio ficou com “Vamos Fugir”, Os Garotin com “Indigo Blue” e Mestrinho com “Vem Morena”, neste caso, a regravação da regravação, já que aqui Gil recuperava o clássico do Gonzagão.

Com o selo Jazz Is Dead, Adrian Younge reconecta uma geração com o gênero. O projeto começou quase despretensiosamente, mas já reúne uma discografia e tanto colocando um monte de bambas para gravar material inédito. Para nós brasileiros, a lição vai além. Adrian se conectou com uma turma da pesada e vem lançando um álbum de cada um deles por vez: Hyldon, Dom Salvador, Antonio Carlos e Jocafi, Joyce e Tutty Moreno… O da vez é o enorme Carlos Dafé, que de quebra escreveu uma música para o fenômeno inventando por Adrian. “Jazz Está Morto” celebra a vivacidade do selo. Salve.

O lançamento oficial do ótimo disco novo da banda paulistana Pelados, o inspirador “Contato”, está sendo lançado oficialmente nesta semana (nesta sexta para quem está lendo este top na sexta). Nele, tem uma música “quase triste” chamada “Modric”. Luka Modric é atualmente jogador do Milan, fez carreira sólida no timaço do Real Madrid e é considerado o maior jogador da seleção da Croácia da história. A Croácia do Moldric eliminou a seleção brasileira na Copa do Catar, em 2022, na semifinal, nos pênaltis. A seleção brasileira do Tite, o grande “vilão” do fracasso brasileiro. Essa história é muito bem contada (musicada) de um “jeito Pelados” em uma das melhores músicas de “Contato”. Na voz da incrível Manu Julian, em letra de Lauiz. Com batidinhas fofas e solos de guitarra. O que custa a Fifa fazer de “Modric” a música da próxima Copa do Mundo, em 2026?

“Daqui uns anos talvez vamos rir do que tinha peso”. Taí uma verdade. As dificuldades e nossas noías vão ficando menores com o tempo, não que outras não apareçam, mas é assim que aprendemos com o passo. A reflexão delicada combina com a construção das vozes como uma cama eletrônica para a base “Começos”, faixa que encerra “Carossel”, disco que ela dedicada “a todos que ainda se encantam com a beleza da vida cotidiana”. Não podemos ser poucos.

A carioca Lorena Moura prepara para o mês que vem o lançamento de “Mata-Leão”, seu disco de estreia. Cantora, compositora e instrumentista, ela vem há alguns anos burilando esse álbum na faculdade, no Rio, onde estuda música. Esta bonitona “Quis”, destacada aqui, discute encontro e desencontros amorosos. E a complicada partilha de bens no fim, em que se discute com quem ficam as cordas do violão.

11 – Lucas Santtana e Gilberto Gil – “A História da Nossa Língua” (5)
12 – Jup do Bairro e Negro Leo – “A ÚLTIMA VEZ QUE VOCÊ F*** COMIGO” (6)
13 – Juçara Marçal – “Damião” (7)
14 – Vanguart – “O Mais Sincero” (8)
15 – Varanda – “Não Me” (9)
16 – Teago Oliveira – “Desencontros, Despedidas” (10)
17 – Urias – “Voz do Brasil” (11)
18 – João Parahyba – “Xei Lá Town” (12)
19 – Tulipa Ruiz e Yehaiyahan – “Caule de Bambu” (13)
20 – Tasha & Tracie – “Serena & Venus” (15)
21 – Sophia Chablau & Felipe Vaqueiro – “Cinema Total” (16)
22 – PUSHER174 – “Eu Sou do Contra” (18)
23 – Oruã – “Casual” (19)
24 – Douglas Germano – “Tudo É Samba” (21)    
25 – Eliminadorzinho – “Você Me Deixa Coisado” (22)
26 – Rodrigo Ogi e niLL – “Doze Badaladas” (23)
27 – Bike – “Essência Real” (26)
28 – Valentim Frateschi – “Mau Contato” (com Sophia Chablau) (28)
29 – Chico César – “Breu” (29)
30 – Supervão – “Love e Vício Em Sunshine (Ao Vivo)” (30)
31 – Nina Maia – “Manha” (31)
32 – Janine Mathias – “Um Minuto” (32)
33 – Mateus Fazeno Rock – “O Braseiro e as Estrelas” (33)
34 – Joca – “BADU & 3000” (com Ebony) (34)
35 – Marabu – “Rubato” (35)
36 – Don L – “Iminência Parda” (36)
37 – Lupe de Lupe – “Vermelho (Seus Olhos Brilhanto Violentamente Sob os Meus)” (37)
38 – Zé Ibarra – “Segredo” (38)
39 – Jadsa – “Samba pra Juçara” (39)
40 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (40)
41 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (41)
42 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (42)  
43 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (43)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48)
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (50)

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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a cantora Tori.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro Vinícius Felix.