Se você foi um ser humano jovem e indie em 2011, então você se jogou na pista ao som de “Little Talks”. Era o hino da vida na era tumblr, dos festivais com filtro sépia e dos refrões assobiáveis e cantados com quem você nem lembrava o nome no dia seguinte.
Com o boom do “Of Monsters and Men”, a Islândia por um momento pareceu o novo Brooklyn e o mundo canalizou que, acreditando em algo bonito, o folk-pop salvaria a humanidade com sua aura acolhedora e sem medo do clichê emocional.
Cerca de 14 anos depois, ou em tempo indie vários hiatos e projetos paralelos, a banda volta mais madura com seu quarto álbum de estúdio “All Is Love and Pain in the Mouse Parade”, como se tivessem saído da floresta para encarar um mundo aberto, sem trompetes tão óbvios e com uma base de fãs que das pistas agora discute terapia, aluguel e escuta música no rádio do carro durante o trânsito.
“All Is Love and Pain in the Mouse Parade” foi lançado dentro de algumas horas. E para falar sobre ele a Popload bateu um papo com Ragnar Þórhallsson, voz, violão e uma das cabeças criativas da banda, sobre o novo capitulo do OMAM: do que já foi apresentado ao mundo e as expectativas do que ainda está por vir.

Popload – É muito nítido e honesto em muitos depoimentos de fãs que eles costumavam ouvir vocês quando eram mais jovens, a música de vocês fazia as pessoas dançarem. Eram trilhas de histórias. Agora todo mundo cresceu, todo mundo parece muito adulto, sentado à mesa do jantar com suas taças de vinho (uma referência ao vídeo de “Television Love”, primeiro single do novo álbum). Então a minha pergunta é: podemos encontrar nesse novo álbum algo que amadureceu junto com eles? Algo que fez vocês quererem escrever de forma diferente para as pessoas que eles se tornaram, em vez de quem eles eram?
Ragnar Þórhallsson – Ah, sim. Antes de tudo, é meio surreal ver esses comentários de pessoas que cresceram com a gente. Nada faz você se sentir mais velho do que isso, sabe? [risos] Mas é legal. É muito legal. Acho que a gente simplesmente escreve a partir do lugar em que estamos agora, e espera que as pessoas consigam se conectar com isso.
Acho que os temas e as letras estão bem diferentes do que eram antes. Vocês falavam mais sobre explorar, sobre a empolgação de sair por aí, ver o mundo, descobrir coisas novas. Agora é mais sobre o conforto da própria casa, sobre encontrar uma sensação de comunidade ao seu redor. Acho que essas coisas se tornam mais importantes conforme a gente envelhece — e as letras refletem isso.
Então vai ser interessante ver como os jovens de 18 anos vão se conectar com esse novo som. Nem sei direito, para ser honesto. Vamos ver.
Popload – O impacto da música na vida dos fãs é algo realmente muito bonito. E a música de vocês sempre pareceu estar ligada a paisagens, como se fosse escrita com uma noção de distância e espaço. Ambientes diferentes como montanhas, cidades, oceanos ou viagens de carro, como no novo vídeo de “Ordinary Creature”, realmente mudam a forma como vocês ouvem ou escrevem música. Na criação do novo álbum, houve algum lugar especial que inspirou esse processo?
Ragnar – Ah, eu acho que nos últimos seis anos nós estivemos todos aqui na Islândia, e sim, aqui há muito espaço, a sensação do tempo expande… quero dizer, há muitos sons de vento, de oceano, e isso meio que entra na sua cabeça, sabe? É quase como uma trilha sonora natural de fundo, e isso inspira muito.
Grande parte desse álbum nasceu, tipo, numa cabana que nós temos onde costumamos ir no verão, e no inverno também. Fica isolada, perto de um rio. Então eu diria que esse lugar inspirou bastante o álbum, onde saiu muitas letras.
Acho que todos nós temos uma conexão muito forte com a natureza aqui. E é curioso, porque você nem pensa nisso como “Islândia”, como uma nação, é algo realmente maior, é parte de quem você é, sabe? Isso meio que te molda desde cedo.
Popload – Boa resposta! E vocês costumam compor e criar nas turnês também absorvendo diferentes tipos de cenários e atmosferas?
Ragnar -Ah, sim, às vezes tem vários desses momentos, principalmente quando você está cercado pelos seus instrumentos. Mas no fundo eu diria que é mais um processo de coletar mesmo. Você vai coletando ideias, pequenos trechos aqui e ali, grava algo no celular, e depois leva pra casa pra trabalhar nisso.
Mas como eu não saio em turnê há um tempo, então nem sei bem como vai ser agora… Mas acho que provavelmente vai ser parecido esse processo de capturar coisas aos poucos.
Popload – Ainda, algo muito bacana do vídeo de “Ordinary Creature” é que vocês estão o tempo todo mexendo as mãos, como se estivessem tocando ou fazendo batidas com o próprio carro. Isso faz alguma relação com o processo criativo de vocês, aquela primeira faísca de uma melodia às vezes acontecer em qualquer lugar, a qualquer hora? Ou vocês preferem ritualmente reservar um momento sagrado no estúdio, em um lugar silencioso, esperando a ideia surgir?
Ragnar – Eu diria que a maioria das melodias que eu crio surgem no carro. Mas também acontece muito quando estou simplesmente tocando violão, sabe? Eu aperto o “gravar” e fico ali, no sofá da sala, pensando, experimentando… e de repente alguma coisa aparece. Aí começo a cantar mais, tocar mais, e aquilo vai tomando forma.
Mas eu diria que, na maioria das vezes, as melhores melodias nascem quando você está sozinho, quando cria esse espaço sem distrações. É como se o tempo simplesmente passasse, e você ficasse meio em lugar nenhum, mas ainda ali criando.
Popload – Alguns acreditam que as melhores idéias nascem da contemplação ao tomar banho.
Ragnar: Sim, muito [risos].

Popload – Eu adorei o conceito gráfico do novo álbum, toda a tipografia feita à mão, que parece bandeiras, tapetes ou talvez cartas de tarô com ratos. Gostaria que você me contasse um pouco mais sobre esses símbolos e sobre o conceito geral por trás disso.
Ragnar – Então, na verdade, a capa do álbum inicialmente seria a contracapa. Cada carta representa uma música, por isso não haveria uma tracklist tradicional. A ideia era ter duas capas, digamos assim. O que queríamos era criar algo como quase um tipo de tapeçaria familiar, sabe?
As cartas realmente parecem uma tapeçaria. E queríamos que a capa contasse uma história, uma história circular, na verdade. É quase como o ciclo de vida de uma pessoa: do nascimento até a morte, com todos os amores, dores e desafios que acontecem nesse caminho.
Mostra como lidamos com as coisas na adolescência, como as vemos de outro jeito quando ficamos mais velhos, e até como imaginamos que seremos quando chegarmos à velhice.
Popload- Eu consigo imaginar as cartas físicas fazendo sucesso na merch store de vocês. Os ratinhos são muito legais!
Ragnar – São engraçadinhos [risos].
Popload – Falando de algo muito recente na música pop, na última semana temos visto o ressurgimento de narrativas e supostas “diss tracks”, aquelas faixas com brigas ou rivalidades que fazem a gente se perguntar se são reais ou só pra chamar atenção. Eu tava lendo que o oposto de uma diss track é chamado de praise track ou até mesmo tribute. Há algum artista próximo de vocês a quem gostariam de fazer uma música em forma de homenagem?Ragnar – Sim, ótima pergunta. Eu diria que há um artista islandês chamado Björn, que vem fazendo música há muitos anos e ele compõe canções lindíssimas, algumas bem complexas. Ele também é um guitarrista incrível, meio genial mesmo. Eu diria que seria ele. É aquele tipo de pessoa que te faz pensar: “Como é que ainda não descobriram esse cara?”
Ele é um músico à moda antiga, muito talentoso, e trabalha às vezes com a Emilíana Torrini, que também é uma cantora islandesa. Então, eu deixaria aqui um reconhecimento para ele.
Então quer dizer que… as pessoas realmente estão fazendo esse tipo de faixa, o oposto das diss tracks, agora?
Popload – Sempre foram os tributos em si. O que viraliza nas “tretas” é que são em formas de indiretas e todo suspense que paira no ar ao não revelar para quem ela é.
Ragnar – Legal. Eu também diria o John Prine. A gente tem ouvido muito ele ultimamente, tem tantas músicas incríveis e lindas, as letras são maravilhosas. Acho que ele me inspirou bastante neste álbum. Então, sim, eu também diria ele.
Popload – Chegamos na minha última pergunta. Bom, que não é bem uma pergunta. Vocês têm muitos fãs brasileiros devotos que realmente amam a arte de vocês, então vou deixar este espaço para que enviem uma mensagem a eles.
Ragnar – Ah, que legal. Bom, eu só quero dizer que a última vez que estive no Brasil foi inesquecível, o melhor público para o qual já tocamos, na minha opinião.
Popload – Foi no Lollapalooza, né?
Ragnar – É, exatamente. E estamos realmente tentando voltar ao Brasil. A gente vê todos os comentários, sente todo esse carinho e quer devolver esse amor de volta pra vocês. Esperamos muito poder vê-los em breve.
***
“All Is Love and Pain in the Mouse Parade” está desde ontem disponível na integra nas plataformas. O disco tem distribuição do selo Skarkali Records sob licença exclusiva da Virgin Music Group.