Um dos discos recém-lançados mais faladinhos desta rica temporada de novos álbuns, o “The Clearing”, do grupo inglês Wolf Alice, tem várias camadas para se olhar.
Primeiro porque pega uma certa mudança geral da banda, do visual da cantora Ellie Rowsell até uma postura mais segura em relação a sua combustão sonora que vai das canções mais elaboradas até as mais “sujinhas”. Sem deixar a qualidade cair nesse equilíbrio do etéreo com o barulho.
E segundo porque o disco sai no meio de muitas apresentações ao vivo elogiadas, sejam pequenas em estúdio de rádios ou TVs para divulgar “The Clearing” ou em megafestivais do verão europeu, tipo o último Glastonbury. A banda engata uma primeira turnê pelos EUA de 20 datas agora em setembro, a partir do dia 10
Para mais uma visão do disco novo do quarteto, desta vez penetrando na atmosfera das faixas, chamamos a colaboradora Heloísa Lisboa para decupar mais esse “The Clearing”, porque achamos que o álbum só vai crescer. Com a palavra, a Heloísa.

A banda inglesa Wolf Alice lançou nesta última sexta-feira seu quarto álbum de estúdio: “The Clearing”. Mais confiantes do que nunca, os ingleses embrulharam as experiências da vida adulta — mais especificamente dos 30 anos — em um disco que assume uma estética roqueira, mas flerta e mergulha em diversos gêneros.
Ellie Rowsell demonstra sua potência vocal ao longo das 11 faixas de “The Clearing”, sem deixar claro o que é guiado pelas suas dores e o que é mera ficção ou licença poética. Com um Mercury Prize na bagagem, o quarteto deu espaço para as melhores ideias em um momento em que a intimidade entre os integrantes se aprofundou.
O disco começa com “Thorns”, canção na qual Rowsell canta em tom de autorreflexão: “Maybe I’m a masochist/ Don’t know why I must persist to make a song and dance about it” (“Talvez eu seja uma masoquista/ Não sei por que eu insisto em fazer um drama sobre isso”, em tradução livre). Na sequência, a Wolf Alice brinda os fãs com “Bloom Baby Bloom”, single que saiu na dianteira. Cansada de “tentar ser durona”, a personagem da faixa é otimista ao lembrar que, para florescer, é preciso um pouco de terra.
“Just Two Girls”, por sua vez, não ganhou o posto de single, mas, com certeza, merece destaque. Inspirada na famosa escritora, cineasta e atriz Miranda July, a canção explora, da melhor forma possível, a voz de Rowsell e ainda oferece uma brevíssima viagem psicodélica do meio para o fim.
A partir de “Leaning Against the Wall”, a banda revisita a sonoridade folk e acena ao country. A canção se desenrola como uma história sendo narrada, até que o teclado dá um toque experimental, somado aos efeitos aplicados sobre os vocais e à bateria frenética que surge em determinado momento.
O folk rock, aliás, esgueira-se ao longo do álbum. “Passenger Seat”, por exemplo, é quase como uma música dos anos 2000 de Amy Macdonald. Já “Safe in the World” poderia ser confundida com uma dos anos 1970 — e provavelmente essa era a intenção da banda. O violão retorna aos holofotes em “Midnight Song”, em que Rowsell fica mais comedida e chega a dar passagem para o mistério.

“Play It Out” soa como uma canção de ninar ou como a música daquelas caixinhas de joias, que tocam ao serem abertas, revelando uma bailarina girando. A letra da faixa, porém, deixa-a mais significativa, principalmente quando Rowsell diz, como quem quer ter ao menos uma certeza na vida: “I wanna age with excitement” (“Quero envelhecer com entusiasmo”, em tradução livre). O clima de “Play It Out” não prepara para “Bread Butter Tea Sugar”, com piano divertido e refrão teatral.
O baterista Joel Amey toma a frente em “White Horses”, enquanto Rowsell dá pitacos que lembram os melismas de Dolores O’Riordan, saudosa vocalista dos Cranberries. Eles tornam a canção sinuosa a partir de bends sutis e referências à herança familiar do baterista. A letra casa bem com o violão, que, mesmo sem segredos, leva à explosão da música.
Outro single, “The Sofa” tem tudo para se tornar a música queridinha do novo álbum. A composição é como uma resposta a “Delicious Things”, do “Blue Weekend” (2021), já que Rowsell entoa: “Didn’t make it out to California/ Where I thought I might clean the slate/ Feels a little like I’m stuck in Seven Sisters/ North London, or England/ And maybe that’s ok” (“Não consegui chegar à Califórnia/ Onde achei que poderia recomeçar/ Parece um pouco que estou presa em Seven Sisters/ Norte de Londres, ou Inglaterra/ E talvez tudo bem”, em tradução livre). Apesar de merecer o topo do ranking do disco, fica bem como a faixa de encerramento de “The Clearing”. Emocionante, “The Sofa” amarra o projeto ao abraçar incertezas sem conformismo.