
“A prefeitura se propõe a fazer uma semana que homenageia esse gênero musical que tem como base a subversão e, na hora da subversão, eles preferem interromper [o meu show]”. Essa foi uma das formas que Sophia Chablau definiu a Semana do Rock, que foi realizada pela prefeitura nesta semana, dos dias 7 ao 13 de julho. Um evento que contou com Inocentes, Ratos de Porão, Plebe Rude e que na sexta-feira, teve uma programação indie no Centrão, apresentando Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo, O Grilo e Terno Rei na Praça do Patriarca, de cara com a Prefeitura de São Paulo. Um trio de shows que contou com censura, ensaios de Freddie Mercury e hits.

O sol se escondia no fim da tarde e o frio, que tomou conta da cidade, começou a chegar junto com a molecada, que vinha ao centro assistir aos shows. Cabelos coloridos e frisados, com cigarros vindo um atrás do outro e uma carta de bebidas que ia da cerveja cara do fã de Terno Rei ao vinho de mesa de 10 reais do fã da Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo.
Era uma salada de frutas de público: jovens aproveitavam para distribuir panfletos divulgando suas próprias bandas, outros levantavam a tekpix e filmavam a bagunça e alguns grupos discutiam a vida universitária que recém-descobriram. Tinha tudo para ser uma tarde normal.
A primeira atração foi chamada ao palco às 17h30 com preguiça. O orador da prefeitura que anunciava as entradas se referiu à banda apenas como Sophia Chablau e esqueceu o Uma Enorme Perda de Tempo. Sophia e seus amigos de banda sempre fazem questão que seja completa a referência a eles.
O desleixo passou batido pelo quarteto, que abriu o show com “Baby Míssil” e ia se animando a cada música, passando por “As Coisas Que Não Te Ensinam na Faculdade de Filosofia” e “Música do Esquecimento” do disco de mesmo nome lançado em 2023.
Tudo ia bem até tocarem a inédita “Ao Sul do Mundo”, onde Sophia pediu pela soberania nacional visto os acontecimentos envolvendo a taxação imposta pelo presidente americano Donald Trump, que apareceu por alguns poucos segundos no telão de fundo em chamas. Logo depois várias bandeiras, incluindo a palestina, deram as caras no mesmo telão.

seu posicionamento em show do Dia do Rock, no Centro de SP. Apresentação foi censurada e teve músicas cortadas.
Fotos: Markos Ferreira/Arquivo Pessoal

Aí que começou. Ao fim da música seguinte, “Fora do Meu Quarto“, a tela atrás da banda, que passava mensagens de outras pautas, como o fim escala 6×1, a taxação de grandes fortunas e a divulgação do plebiscito popular, foi cortada abruptamente para a arte de divulgação do festival.
O clima era de confusão, ninguém sabia o que estava acontecendo, muito menos a banda.
Após alguns esclarecimentos dados através do retorno dos artistas, foi dado o veredito de censura pela cantora Sophia Chablau. Com um microfone em mãos e uma ideia na cabeça, Sophia foi na jugular.
“Não estamos indo contra as leis do nosso próprio país. Não estamos indo contra porra nenhuma. A gente tá do lado da prefeitura, então depois se alguém quiser causar alguma coisa lá, que cause. Porque isso é um absurdo. E foda-se que foi a prefeitura que nos contratou.”
Enquanto a vocalista protestava, o público embarcava pedindo pela volta do telão e bradava palavras não tão bonitas destinadas ao prefeito Ricardo Nunes (MDB), que também foi alvo das reclamações da cantora, junto ao atual governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Os xingamentos do público e os disparos de Sophia coincidiram com a saída do trabalho de diversos secretários da prefeitura. “Foi proposital no sentido de que queríamos aproveitar esse momento de estar em praça pública num local como o Centro de São Paulo para dizer algumas coisas que têm relevância política para nós”, afirmou a vocalista à Popload.
Durante as bravatas, a produtora e empresária da banda, Francesca Ribeiro, foi avisada por um funcionário da prefeitura que “se nós fôssemos passar mais alguma coisa política, iam cortar o telão”.
Após cerca de três minutos de reclamações, a banda voltou a tocar, com “Idas e Vindas do Amor”, junto ao público incendiado pelas reclamações. E, na música seguinte, o show podia ser dado como encerrado, pois cortaram o som da banda no meio de “Minha Mãe É Perfeita”, devido às manifestações de Sophia no palco.
“Eles [os produtores da prefeitura] vieram falar comigo que, se ela continuasse reclamando, iam cortar o som”, afirmou a empresária. “Daí falaram que tínhamos mais duas músicas, mas que não dava para ela continuar a falar nada de ninguém”, complementa. Após o aviso, a inédita “Eu Não Bebo” e “Segredo” fecharam o tumultuado show.
No total, foram sete músicas cortadas pela prefeitura. Após a apresentação, Sophia Chablau veio conversar com a Popload e ressaltou que a banda “não é nem mansa e nem frouxa”.
“Então, se a gente quer continuar existindo e fazendo o nosso som, a gente precisa demonstrar que a nossa posição política é evidente, ela é necessária e ela precisa acontecer”, falou.
Em nota à Popload, a Secretaria de Cultura afirmou: “Durante o show da artista Sophia Chablau, o painel de LED foi desligado e o som reduzido preventivamente, após falas e projeções que feriram cláusulas contratuais, com ofensas direcionadas a terceiros. O show, no entanto, seguiu até o fim”.
Ao ser questionada novamente sobre o corte das sete músicas, a Secretaria encaminhou o mesmo texto, destacando apenas em negrito que o show seguiu até o fim. Sobre a questão contratual, a empresária da banda nos confirmou que existia uma cláusula no contrato “detalhando que todas as manifestações são de responsabilidade do artista, mas não tinha nada de proibição”.
Com o fim abrupto do primeiro show às 18h, restava apenas aguardar. Conforme o tempo passava, o público ia aumentando gradativamente e a plateia do Grilo era consideravelmente grande. O quarteto entrou às 19h30, caracterizados pela identidade visual do disco “Tudo Acontece Agora” e abriram o show com “Me Deixe Só”, mesclando músicas do álbum “Você Não Sabe de Nada” no setlist, como “Trela” e “Guitarrada”. Com uma pose meio boyband, a banda funcionava como um relógio suíço pelas interações ensaiadas com o público. Como “Sambinha”, que teve a primeira estrofe cantada pela plateia.


Entre os solos de guitarra de Fepa e as brincadeiras à lá Freddie Mercury do vocalista Pedro Martins, o Grilo construiu um show animado e entrosadíssimo com seu público, que respondia e pulava junto, apesar da ausência dos dois principais hits da banda no setlist: “Serenata Existencialista” e “Herói do Futuro”.
Foi uma festa ensaiada que teria jogado a pá de cal sobre o acontecimento do show anterior se não fossem as falas da banda citando a SCUEPT durante a apresentação, com um visualizer dos censurados de fundo.
Após a performance, a banda conversou com a Popload e desenvolveu o posicionamento sobre o acontecimento: “A gente se sentiu mal pela Sophia, porque eu acho que [o show] é um espaço que os artistas têm que se expressar e o que é mais precioso para cultura é a liberdade”, desabafou o baterista Lucas Teixeira.
O baixista Gabriel Cavallari também destacou a ironia, ou hipocrisia, da prefeitura quando Roger Waters e Rage Against The Machine, dois nomes internacionais que mais mostram posicionamentos políticos em seus shows, tocaram nas caixas de som entre os espetáculos.
Para fechar a noite, a banda Terno Rei surgiu em cena como a banda mais ovacionada. E pensou em um setlist especial para a ocasião, abrindo com “Próxima Parada”, do mais recente disco do grupo, “Nenhuma Estrela”.
“Hoje escolhemos só as bombas, pegamos os hits dos cinco discos”, afirmou o guitarrista Bruno Paschoal à Popload. A apresentação contou com um “público quente”, que cantava junto todas as músicas e subia até nas árvores da praça para conseguir assistir ao último show do dia.
O frio já tomava conta da noite, mas a banda acalentava a todos com seus clássicos: “Yoko”, “Solidão de Volta” e a especialmente pensada para o show do centro: “São Paulo”.
“O fato de ser gratuito melhora bem as coisas, muitas pessoas que não podem ir aos shows aparecem nos gratuitos”, comenta o baixista e vocalista Ale Sater, “É bem democrático, vem gente de todas as idades”, acresce o baterista Luis Cardoso.
A banda também se manifestou sobre o ocorrido no primeiro show: “Censura nunca é o caminho, né? Eu acho que ela tem uma bandeira justa, que eu [Ale Sater] concordo também”.
Luís Cardoso acrescentou que “não concorda nem um pouco com a censura”.
“Eles têm que falar o que eles querem, botar o dedo na ferida e falar o que o coração deles mandar. É zoado que eles não puderam continuar e ter a voz que eles deveriam ter.”
Após o único bis da noite, que contou com “Vento na Cara”’, o calor humano do público foi embora contente pelos shows, mas indignados pela injustiça da primeira apresentação. Procurada novamente pela Popload, a empresária da banda censurada destacou que não foi procurada pela produção do evento ou da prefeitura para falar sobre o ocorrido.
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* A foto que abre este post e está na chamada da home da Popload é de Marcelo Lustosa. O texto “Semana do Rock”, do telão, foi colocado pelos organizadores no lugar das imagens com os “textos de ordem” de Sophia.