Top 10 Gringo – A gigante Lorde, o polêmico Bob Vylan e a “romântica” da Wet Leg. Foi assim a semana boa da “new music”

Defender a liberdade do próprio corpo, defender a liberdade de um território. São as batalhas diárias da vida e uma posição difícil e corajosa assumida por artistas como Lorde e o Bob Vylan. Em tempos que uma mera sugestão por mais e melhores dias costuma custar caro, fiquemos com os corajosos e bravos. Ranking da semana ainda tem lindonas novas da Wet Leg e do Foo Fighters. Semaninha bem interessante

A história de Davi e Golias é a maior metáfora sobre a fragilidade ser capaz de vencer duras batalhas. Na tradução de Michelangelo, ao tornar Davi uma estátua imponente, sua relativa fraqueza vira símbolo de força no registro de sua coragem pouco antes de enfrentar tamanho desafio. “Virgin”, quarto álbum da Lorde, é de certa forma seu Davi. Uma obra nua (literalmente, diga-se) e crua para dar a dimensão da força de seu corpo, mente e identidade após algumas trevas. É a obra do começo da maturidade da artista em cena desde os 16 anos, um tempo vivido onde consta um relacionamento com uma pessoa mais velha, uma pandemia e todo tipo de pressão por ser uma pessoa pública. “It’s so confusing sometimes to be a girl”, não é mesmo? Pense na própria expressão “virgem”, dê um Google aí. A maioria dos resultados vai falar sobre o corpo feminino, sobre controle, culpa e medo. Homem não tem virgindade? Homens com certeza não sabem o peso do verso “After the ecstasy, testing for pregnancy, praying in MP3”. Parte do interlúdio “Clearblue”, um teste de gravidez, talvez seja a maior referência na cultura pop ao medo da “gravidez na adolescência” pela qual as mulheres passam a vida toda. Afinal, qualquer gravidez indesejada e já se procurar acabar com a liberdade da mulher com o próprio corpo. Falta de liberdade que é expressa em outras canções do álbum, sendo “David”, o ápice da conversa ao encerrar “Virgin” com tamanha sinceridade da Lorde sobre o seu problemático relacionamento anterior, sobre sua entrega a um cara 17 anos mais velho, um figurão do mundo da música que exercia nela um controle brutal. “Eu fiz de você Deus porque era tudo/ Que eu sabia fazer/ Mas eu não pertenço a ninguém”, reflete a cantora. Agora ela está livre, mas não sem medos. “Será que amarei novamente”, se pergunta ao final. Sim, Lorde. Nessa você já começou a amar a si mesma.

Há quanto tempo uma banda punk não era o troço mais “perigoso” do mundo? Em Glastonbury no final de semana, os protestos da dupla de punk rap Bob Vylan a respeito do genocídio em curso na Palestina virou caso de polícia. Bob puxou um canto pesado e agressivo contra o exército israelense e agora está sob investigação. Eles também tiveram os vistos revogados pela administração Trump na porta de uma turnê pelos EUA. Em outras palavras, a banda-dupla-com-nome-simples virou uma espécie de “inimigo público número 1” da extrema-direita. Em um texto no Instagram, o grupo reflete: “Não estamos aqui pela morte de judeus, árabes ou qualquer outra raça ou grupo étnico. Estamos aqui para desmontar um sistema militar violento, que está matando civis inocentes aguardando ajuda. Uma máquina que acabou com Gaza”. O texto ainda defende que a banda não quer ser protagonista da causa, a causa “Palestina Livre” é maior, mais importante e urgente. Causa justa, música boa (com a vocalista da Amyl and the Sniffers), não se deixe levar pela piada em forma de nome artístico.  

A bateria joga a gente no contratempo e ficamos encantados de cara com a baladinha  “Davina McCall”, novo single do hoje quinteto Wet Leg. De letra particularmente maravilhosa e que cita até a Shakira, a música em alguma medida é tipo se o Lupe de Lupe fizesse uma música de amor e chamasse ela de “Ana Maria Braga” – espera, a Luiza Sonza e  a Duda Beat já fizeram isso, não? Eita. Bom, “Moisturizer”, o segundo álbum do grupo da Ilha de Wight, sai no dia 11 de julho, semana que vem. Você vai poder ouvir antes com a gente no Bar Alto no dia anterior. Avisamos.

O Foo Fighters andava se mexendo: vídeos novos no YouTube, um cover de Minor Threat do nada. O que vinha por aí? Veio. “Today’s Song” é uma faixa inédita em celebração aos 30 anos da banda. O som é acompanhado de uma carta, uma longa reflexão de Dave Grohl sobre o início de sua amizade com Nate Mendel, baixista do grupo, e um agradecimento pela jornada da banda, com uma saudação especial a Taylor Hawkins, baterista do grupo que morreu em 2022 – 24h antes de um show em São Paulo. “Acordei hoje gritando por mudança” é o verso que abre a canção, um lembrete sobre como montar o Foo Fighters foi a saída de Dave para a depressão após a morte de Kurt Cobain. Mal sabia ele que aquele escape era o verdadeiro projeto da sua vida. Ele tinha 25 anos. 

Cliff Simpson. Foi usando seu nome real que Kevin Abstract assinou uma carta sobre o processo de escrita de seu novo álbum. Envolve coisas difíceis, tipo perder o amor de sua vida no ano passado e ter ficado um tempo detido, fato que o fez repensar melhor a vida e a carreira. Mesmo com tudo isso, o ex-Brockhampton está contente por “Blush” ser o disco que sempre sonhou em fazer. Os fãs andam preocupados com ele, com alguma razão, mas a música diz que está tudo bem.

Olha o novo álbum do “sumido” Alex G chegando. “Headlights” será seu décimo trabalho e o primeiro por uma grande gravadora. Sem abrir mão daquela estética esquisitinha de todas as suas capas, uma coisa meio Windows 95, Alex escreve sobre sair do fundo do poço com uma delicadeza pop. Tem também um dos versos do ano: “O amor não é para os jovens/ Tá aí algo que você aprende ao cair”.

Kurt Vile é amigo de longa data do compositor Luke Roberts, um daqueles caras que vive de escrever canções em Nashville. Apaixonado por uma música de Luke chamada “Classic Love”, Kurt resolveu convidar o próprio para racharem um EPzinho onde cantam juntos uma música de cada um. Para abrir um sorriso escutando.

Lindsey Leven e Guto Pryce, baixista do velho grupo galês Super Furry Animals, sonham com uma Escócia tão ensolarada quanto o Brasil. Enquanto pouco calor faz na ilha durante o ano, principalmente na “parte de cima”, o jeito é fazer uma música quentinha. Tudo é questão de imaginação, não? “Beneath Strawberry Moons” será o terceiro álbum da dupla. Chega em agosto.

Difícil saber o que acontece com a Lizzo. Depois de dois singles que pareciam retomar a carreira dentro de uma linha quase roqueira, ela soltou do nada uma mixtape de rap. “My Face Hurts from Smilling” foi feito em duas semanas e parece um desabafo sobre sua fase em baixa após as acusações de abuso moral e importunação sexual feitas por seus dançarinos, história que segue mal resolvida dois anos após vir à tona. A mix traduz bem sua atual angústia e depressão. Complicadíssimo, como sempre essas coisas são.

Após cinco anos de silêncio e de muito trabalho em seu estúdio na Islândia, o quinteto islandês de indie folk Of Monsters and Men volta a ativa com este single “Television Love”. De acordo com a banda, a canção é uma “conversa entre duas pessoas que se estendem ao longo do tempo”. Não tem papo de próximo álbum ainda, mas já viu, né? A banda que ama o Brasil e já veio no Lollapalooza também poderia voltar a dar caras por aqui.


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* Na vinheta do Top 10, a cantora pop neozelandesa Lorde, sob foto de ensaio pulicado na revista “Vogue” australiana.
** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix