CENA viva – Indie da Ilha: conheça a cena alternativa de Florianópolis que leva ao resto do Brasil a “música manezinha”

Em meio à ilha de Florianópolis, no Sul do país, motivado pela vontade de fazer música, um grupo de artistas independentes resolveu se organizar nos últimos anos e, na contramão aos desafios seeeeeempre inerentes à música indie brasileira, começa a despontar no cenário alternativo nacional.

Em um caso particular e dando nome aos bois, são os amigos do Selinho, selo-coletivo musical criado em 2022 por Vitoria Saiago, Luana Adriano, Laura Brunato, Carol Werutzsky, Bruno Chaves, Rodrigo Nazareth, Antônio dos Anjos, João Pretto e Eduardo Possa.

O Selinho ganhou destaque muito por causa da banda Exclusive os Cabides, que está em franca ascensão após o lançamento do álbum Coisas Estranhas (2024), aclamado pela crítica especializada, tendo integrado várias listas de “melhores do ano”. Além dos Cabides, já com nome de destaque no pôster do paulistano Popload Festival (maio) e que passaram a circular com certa frequência por outros estados do país, a CENA de Santa Catarina conta com artistas de cada vez mais notoriedade como Gol de Goleiro, Coentro, Sonho Estranho e Dante De Niro.

A banda Exclusive os Cabides, em foto de Mariana Smania

Graças à autenticidade das criativas canções dos Cabides, que misturam gêneros musicais como o rock, o pop e o psicodélico, e todas as bandas “da turma”, o Selinho passou a frequentar fones de ouvido Brasil afora.

As músicas dos artistas e bandas do grupo exploram temas e objetos originais, pouco comuns de serem tratados em canções. Além disso, também tratam de regionalidades, cantando sobre locais e vivências típicos de onde os artistas moram. A exaltação da cultura local é percebida nos sons e nas letras de todo o coletivo musical, cada banda a sua maneira.

O que poucas pessoas fora da Ilha sabem é que a espontaneidade do trabalho dos músicos catarinenses se dá em todo o processo produtivo e as dificuldades de ser um artista sem um grande investimento financeiro por trás são reais: apesar do reconhecimento nacional do álbum “Coisas Estranhas”, a turma se vira para gravar e lançar suas canções. 

***Indie “raiz”

Segundo Eduardo Possa, guitarrista da Coentro e da Exclusive os Cabides, o Selinho surgiu da necessidade de organizar melhor o grupo de amigos artistas da ilha, como ele se refere à cidade de Florianópolis. Ainda que várias pessoas de diferentes áreas da cultura, como artistas visuais, músicos, designers e jornalistas, trabalhassem juntas em torno da música, ainda não havia uma formalização do coletivo. 

Eduardo destaca o formato orgânico das produções: “Eu que faço as gravações, faço a pré-produção dos discos, gravo as demos do pessoal daqui. Então a gente já tinha todo esse corpo artístico gigantesco. E a gente sempre fez tudo junto porque convive”. 

Além disso, ou apesar disso, o músico faz questão de ressaltar que o grupo convive com dificuldades para produzir e lançar suas próprias músicas. “Na verdade, hoje em dia eu não considero que é organizado. A gente vai fazendo as coisas muito do jeito que dá, sabe? A maioria das pessoas tem outros trabalhos”. Basicamente, a vontade de fazer arte é um esforço grande na via contrária ao cotidiano nada glamouroso dos artistas.  

Apesar dos desafios, a música acontece através dessa união entre diferentes artistas com objetivos em comum. “Com uma comunidade muito unida e muito diversa, a gente consegue fazer arte de forma independente e, também, porque é muito divertido”, aponta Carol Werutsky, baterista dos Cabides. 

Show da Gol de Goleiro em 2024. Foto: @serial___clicker 

*** “Música manezinha”?

Segundo o perfil oficial do Selinho, eles são um “selo-coletivo de música manezinha”. Mas, afinal, o que quer dizer isso? 

O termo “manezinho”, ou “manezinho da ilha”, é usado para se referir à população da cidade de Florianópolis. Historicamente, era utilizado sobretudo para se referir às comunidades descendentes de portugueses da ilha de Açores. A expressão tem origem no apelido “mané”, que se refere ao nome Manuel, de origem portuguesa e comum entre os habitantes da capital catarinense. 

O Selinho referencia sua identidade regional, fazendo da cultura local e dos laços afetivos entre os artistas uma grande base do trabalho que desenvolvem. De acordo com Bruno Abatti, baterista da Coentro, os artistas buscam citar sua própria cultura como um “ponto de partida e de chegada”: “A música manezinha se faz manezinha por se inspirar aqui. Viver e se inspirar neste local que chamamos de casa, que chamamos de Ilha de Santa Catarina”.

Banda Coentro. Foto: @luisgomesfm

Segundo Carol Werutzsky, a visibilidade nacional do trabalho que o coletivo desenvolve pode ser inspiradora para outros artistas de outras “cenas” Brasil afora. “Mostra como um exemplo que tu não precisa estar nas grandes cidades do Eixo Rio-São Paulo para tocar, ter um projeto legal e circular.”

“Não que seja fácil, mas é possível. É importante ressaltar de onde a gente veio e mostrar que aqui também tem música independente sendo feita e de muita qualidade”, continua Carol.

*** Em família!

A familiaridade entre os integrantes da Exclusive os Cabides, da Coentro, da Gol de Goleiro e da Sonho Estranho é tamanha que os membros das bandas são todos amigos, convivem entre si e, até, alternam-se entre as bandas, tendo membros em comuns em todos os grupos. Inclusive, a ideia de criar os Cabides, primeira banda do coletivo, veio da amizade entre os primos-irmãos e melhores amigos João Pretto e Antônio dos Anjos. 

João Pretto e Antônio dos Anjos, fundadores da Exclusive os Cabides na infância. Foto do acervo dos artistas, anos 2000

Um ponto de encontro da cena é o home studio do Selinho, a casa onde os artistas se reúnem para gravar, ensaiar e escutar música juntos. De acordo com Dante De Niro, artista que tem projeto solo e integra a Gol de Goleiro, os músicos compartilham muitas inspirações por causa da convivência. “A gente tem bastante referências em comum. E claro que cada um tem a sua referência própria, né? Mas ali a gente é bem inspirado em Pavement, Elliott Smith, Alex G, Beatles, Oasis… A gente escuta as músicas junto. Na colônia, a casa onde a gente se reúne para gravar, tem a sala do disco de vinil, que é do Antônio e do Wilson, pai do Antônio.”

“Somos primos, somos muitos amigos, somos manezinhos e não queremos parar de fazer música! Nosso objetivo é continuar com a Exclusive os Cabides. A Exclusive os Cabides é o projeto da nossa vida, de verdade”, conta Antônio.

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* Este texto, a reportagem e as entrevistas são de Clara Campos

* CENA viva é o nome da nova série de textos da Popload que busca jogar luz às excelentes movimentações pontuais da CENA musical independente brasileira, cada uma em sua geografia e com suas características próprias. Outros posts da série:

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