Top 50 da CENA – A outra cor de Ogoin & Linguini. Um outro lado de um rato de porão. E o Terraplana descobrindo a Terra redonda. A semana está mais ou menos assim

Rap romântico, jazz experimental, shoegaze à brasileira e trip hop indie. Ficar enquadrando projetos musicais em gêneros é meio trágico, explica alguma coisa no fim das contas? Mas esse são termos que podem ser aplicados às nossas escolhas da semana. Uma pista do tamanho da diversidade da música que corre pela cena. 

Após o excelente e inovador “TV Show”, disco com cara de sitcom e uma produção independente com jeitão de milionária, a dupla mineira Ogoin & Linguini muda a paleta de cores. Fica de lado as saturações coloridas de uma comédia e entra um azul fim de noite. O humor abre espaço para uma love song mais tradicional. Ou, como cravou Linguini nas redes sociais: “Back to basics”. Aquela para dedicar para alguém numa rádio na madrugada. Nem vai precisar de um locutor traduzindo a letra. Sabe do que estamos falando? 

O que esperar de um projeto paralelo do baixista do Ratos de Porão? Jazz experimental, lógico. É isso que Juninho Sangiorgio entrega ao lado do baterista Rodrigo Saldanha e um time que ainda conta com Anderson Quevedo, Tadeu Dias, Paulo Kishimoto e Vicente Tassara, que você deve conhecer como guitarrista no Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo, mas que aqui se aventura pelas teclas do piano. “Natureza” é o terceiro álbum da banda, o mais colaborativo até aqui e o mais solto e viajadão. Se você der play e mentir para alguém que é um disco perdido ali dos anos 70 de uns amigos do Miles, dá para enganar certinho.

A turma da banda paranaense Terraplana, formada por Stephani Heuczuk, Vinícius Lourenço, Cassiano Kruchelski e Wendeu Silverio, está vivendo o sonho. Disco da semana no “Stereogum”, elogios da Sasamia e uma tour que começa com uma porrada de datas nos EUA antes de desembarcar no Brasil. Eles viraram gringos? Que nada. “Natural” reflete bem a busca de uma banda de rock brasileira atrás de seu próprio som e raízes locais. Escapando da chave do shoegaze, onde geralmente tentam limitar a banda (e um limite que já era injusto no primeiro disco), o terraplana expande bem seus experimentos, testando mais o canto em português que se esconde no barulho, habitat quase incomum para nossa língua. Testam também novas dinâmicas e timbres, como o riff limpo da belíssima “Todo Dia”, a sujeira de garagem em “Desaparecendo” ou a catártica “Morro Azul”, perfeita para encerrar um show numa longa jam, apenas sugerida no disco. O complicado desafio do segundo disco foi cumprido de forma “natural”. É assim que tem que ser. 

Em clima diferente das composições apresentadas até aqui para seu próximo álbum, esta curta “Próxima Parada”, terceiro single novo do Terno Rei, é uma faixa leve defendida por guitarras climáticas que escondem um tenso Ale Sater. Seja no baixo ou no contracanto grave ou ainda na letra, algo sério parece ter atingido o compositor. “Não sei se vou me perdoar”, é o verso de abertura da música. Seja lá o que for, tudo indica que deixou marcas, hein? 

Tem horas em que tudo o que precisamos é um hino contra ladrão de isqueiro, não é mesmo? E é isso que Áurea Semiseria e  Deize Tigrona entregam nesta suingada e geograficamente inusitada parceria fazendo a conexão Salvador e Rio de Janeiro. Chiclete total o refrão. Tinha que tocar mais. Tinha que tocar nas rádios. Tá, não podia, não. Mas beleza!

A Charanga do França já se estabeleceu como atração certeira no Carnaval de São Paulo. Pouco antes de ir para a rua, o grupo liderado por Thiago França soltou esse EPzinho com temas inéditos e uma releitura para “Retalhos de Cetim”, de Benito Di Paula. A ideia era ser um aquecimento para a festa, mas também serve de trilha sonora para o pós – embora quem é de Charanga saiba que não exista pós-Carnaval. Sempre é Carnaval.

Os prédios prometem o céu, mas acabam tirando a visão das estrelas de quem tenta ver o infinito do chão. Paulistana que só, Marina Melo sabe bem disso e resolveu versar sobre o tema em “Prometeu”. Relacionando a febre imobiliária com o mito de Prometeu fez uma canção de ninar. Produção afiada de Luiza Brina e direção vocal da Lio do Tuyo. De quebra, a faixa traz Maurício Pereira vendo o céu via emoji. Às vezes é o que sobra.

Tem uma cena na antiiiiiga novela “O Clone” onde Vera Fischer, a atriz, salva uma festa de virar um barraco completo com uma sugestão: “Vocês querem ouvir uma música bacana? Toca um techno aí!”. Era a senha. Se foi isso que inspirou a turma de Niterói do Vera Fischer Era Clubber ainda não sabemos. Mas combinaria bem com o humor peculiar do quarteto e seu electro-punk-experimental-trash-pop de teclados góticos, baixo pesado e uma bateria eletrônica sem medo de transitar entre o funk e o industrial. O vocal é spoken word. Crystal Duarte recita letras que pegam na veia um linguajar do agora, ideia e palavras que ainda não foram flagrados nem pelas redes sociais. É o agora do jovem em prosa e verso e muita ironia e deboche. Pesquise por “vera fischer era clubber” no YouTube e tudo que encontrará são alguns vídeos postados no perfil donniedarko73 da banda tocando em plena rua no Rio de Janeiro, no festival Novas Frequências. É um Rio que não tá na TV. Soturno. Não vamos falar que parece São Paulo para não ofender. A plateia canta tudo, um monte de músicas que ainda não foram nem sequer lançadas – “Fantasmas” é o primeiro single da vida deles. A  primeira aposta da Palatável Records, da curadora-agitadora Natália Lebeis, promete bem. 

O que o artista deixa de mostrar é tão parte da obra quanto aquilo que vemos. Daí que é um barato uma hora ter acesso ao que poderia ser ou ao processo do resultado final. É isso que o fino Apeles quer mostrar no triplo “2015-2022: The Complete Demos and Early Recordings”, que vai reunir demos e mixagens alternativas dos três álbuns solos do especialíssimo músico Eduardo Praça até aqui. “Mandrião (Vida e Obra)” é a primeira mostra da novidade. Uma elegante reflexão sobre coragem: “Sinto lhe dizer: o medo é filho dos tolos”. E embora carregue o subtítulo “Demo 2” soa completamente pronta. Por que será que ela não coube em “Estásis”?

Fortificando suas boas conexões dentro do continente, Larissa Conforto, aka ÀIYÉ, soltou um single em parceria com o colombiano Juan De Vitrola. A faixa é puro creme, uma canção apaixonada, mas uma paixão com gostinho amargo – o lance já acabou, só existe em lembranças espalhadas por objetos pela casa. Que dor. O telefone toca, mas a outra pessoa se recusa a atender.
 
11 – Nina Becker – “Praia, Cinema e Carnaval” (8)
12 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (9) 
13 – Getúlio Abelha – “Toda Semana” (10)
14 – Siba – “Máquina de Fazer Festa” (com Ronaldo Souza) (11)
15 – Gabriel Ventura – “Fogos” (12) 
16 – Jovens Ateus – “Passos Lentos” (13) 
17 – Josyara – “Ensacado” (com Pitty) (14) 
18 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Dia Santo” (15) 
19 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (16) 
20 – Marcelo D2 – “A Maldição do Samba” (17) 
21 – BK – “Só Quero Ver” (com Evinha) (18)
22 – Celacanto – “Cedo” (19) 
23 – Jamés Ventura – “Noites de SP” (20)
24 – Superafim – “Sorry” (21)
25 – Sophia Chablau e Felipe Vaqueiro – “Nova Era” (22) 
26 – Heal Mura – “Wu Wei” (23)
27 – BK – “Só Eu Sei” com Djavan e Nansy Silvvz (24)
28 – Tátio – “Longe De Mim” com Zeca Baleiro (25) 
29 – Jéssica Linhares – “Samba do Sonhador” (26) 
30 – Julia Mestre – “Sou Fera” (27) 
31 – Rei Lacoste – “Sem Paz” (28) 
32 – Menores Atos – “Pronto pra Sumir” (29)
33 – Panteras Venenosas – “Ai Que Saudade” (30) 
34 – Igor de Carvalho – “Pra Te Esquecer” (31) 
35 – BaianaSystem – “A Laje” (32)
36 – Maré Tardia – “Já Sei Bem” (33)
37 – Bem Gil – “Sobe a Maré” (com Domênico Lancellotti) (34)
38 – Thiago França e Rodrigo Brandão – “Young Lion” com Sthe Araújo e Edgar (35)
39 – Vitor Milagres – “Um Barato” (39)
40 – Bruno Berle – “Te Amar Eterno” (40)
41 – Negro Leo – “Me Ensina a Te Castigar” (41)
42 – Tássia Reis – “Sol Maior” (42)
43 – Maria Beraldo – “Colinho” (43)
44 – Thalin, VCR Slim e Cravinhos… – “Todo Tempo do Mundo” (44) 
45 – Supervão – “Androids” (45)
46 – Liniker – “Me Ajude a Salvar os Domingos” (46) 
47 – Paira – “O Fio” (47)
48 – Dora Morelenbaum – “Venha Comigo” (48) 
49 – Amaro Freitas – “Viva Naná” (49) 
50 – Hoovaranas – “Fuga” (50)

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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o duo mineiro Ogoin & Linguini, sob foto de André Dutra.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro Vinícius Felix.