Que semana, hein, música brasileira? Vários álbuns muito bons, fora da curva, que vamos precisar de bem mais do que sete dias para curtir e aproveitar e entender. Mas, no tempo corrido, damos um pique e tentamos dar conta de tudo.
Dora conta que pede músicas toda semana para a Sophia Chablau e poderia fazer três discos só com o que recebe da compositora. Fica na nossa imaginação esse álbum dos sonhos. Porque no ótimo “Pique”, a tardia (e certeira) estreia solo de Dora lançada há nem duas semanas, ressoa bem demais a deliciosa “Venha Comigo”, de Sophia. Uma música que faz mesmo a gente querer desligar tudo e ir direto para o Ceará – aliás, destaque para a parceria drum&bass da duplinha Sérgio Machado e Alberto Continentino que acontece pelo álbum todo. “Pique” é demais. E é cheio de acenos de Dora para o que ama, em especial em termos musicais. “Não Vou Te Esquecer”, de Dora e Tom Veloso, remete já no primeiro verso a Roberto Carlos para depois ecoar “O Seu Amor”, dos Doces Bárbaros. “Sim, Não” é só de Dora e traz uma pegada de Luiz Melodia, um samba rock rasgado. Ainda há piscadelas para Gal, Caetano, Gil (“VW Blues”) e lógico, Tom Jobim – seja o mais derramado “Essa Confusão”, seja o mais cambaleante “Caco”. “Existe essa emoção de querer colocar muitas vontades”, anotou Dora. Haja pique, mas é questão de respirar fundo e aproveitar a vida.
Entre mil barulhinhos, “Baleia” escondia uma melodia todinha na voz de Juçara Marçal em sua versão presente em “Delta Estácio Blues”. Em “Colinho”, Maria Beraldo, uma das autoras das músicas, pega o que estava na voz de Juçara e espalha pelo arranjo guiado por um piano circular dentro de uma batida reta, mas sutilmente fora do eixo pela acentuação. E isso tudo é só uma pequena parte de todo poder de fogo de “Colinho”. A faixa-título, por exemplo, ganhou a marquinha de conteúdo explícito por conta da letra quente. Mas nem precisa de letra. Só o jeito que Maria organiza a música e coloca a voz já é o suficiente para deixar a censura maluca. E é um disco que tem a sabedoria de contemplar um samba de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, a belíssima “Minha Missão”.
No caseiro “Cultura do Ódio”, seu álbum de estreia recém-lançado, a influencer e aqui, mais que tudo, cantora Juvi Chagas se diverte entre loops e efeitos para criar canções com piadas que lembram os vídeos engraçados que a tornaram famosa nas redes sociais – sacadas espertas e bem colocadas do terror moderno de nossos dias. “Novas Drogas Legais”, por exemplo, é uma listagem das novas drogas socialmente aceitas – e aí a lista inclui desde vídeos verticais até os remédios mais fortes disponíveis em qualquer farmácia. O moderno é aqui. E faz uma conversa com uma certa velha vanguarda paulistana. Mas não é hora de termos essa conversa.
Em mais um single do seu disco em homenagem à obra de Ederaldo Gentil, Giovani Cidreira mostra seu lado mais visceral no canto, investigando as fortes emoções de uma declaração de amor poderosa ao samba – parte inseparável do compositor. O canto colaborativo de Céu contrabalanceia tudo, serena na discussão.
Ter ido foi necessário para voltar, já cantou Gilberto Gil. Em seu primeiro disco londrino, MOMO. mostra na prática o quanto o tempo na Inglaterra parece tê-lo reaproximado do Brasil. “Gira” é solar de tudo, de português luminoso. “Acho que fiz meu álbum mais leve”, decretou o músico brasileiro, que mora na Inglaterra. Concordamos. E resta dizer agora o meme: “Come to Brazil, Momo!”.
Saiu um vídeo tão legal da duplinha mineira Paira, formada por Clara Borges e André Pádua, ao vivo gravado no Estúdio Cais, que voltamos ao ótimo “EP 01”, lançado em junho. Já ouviu? Manda para todos os amigos que falarem que não tem mais música com guitarra neste nosso Brasil.
“MAGICLEOMIXTAPE (Quando Vê, Já Foi)” é o novo disco solo de Batata Boy, ou Leonardo Acioli – um dos produtores mais inventivos de sua geração! Solo, naquelas, o disco é um acúmulo de encontros do músico com uma turma que conversa com seu modo de pensar música: Bruno Berle, Ana Frango Elétrico, Vitor Milagres, Jadsa, Dadá Joãozinho, Alici e outros nomes. É quase um “quem é quem” da novíssima cena brasileira, uma resposta para quem acha que anda tudo muito parado na área. “(Quando Vê, Já Foi)” é o subtítulo perfeito porque é isso mesmo que rola na audição da mixtape. Tipo 29 minutos que passam voando através de canções curtas e de caráter hipnótico, pela velocidade dos beats, pelo movimento circular proposto nos versos. Sem querer comparar, mas para dar a dimensão do que tá rolando, se o Tom Jobim fizesse beat em vez de tocar piano ia ser mais ou menos assim, sabe?
O truque é velho, mas caímos feito patinhos. “COMO VOCÊ ME VÊ”, faixa que abre o álbum estreia do duo carioca Mundo Video, formado por Vitor Terra e Gael Sonkin, acaba de maneira tão inusitada que você fica procurando se o seu computador ou celular está com problema. Fosse na era do CD, era o caso de voltar na loja e pedir para trocar. Essa brincadeira que tira o ouvinte do conforto acaba sendo uma boa tradução da dupla. Ela é pop, trabalha em um território conhecido, mas sempre tem alguma coisinha que parece fora do lugar e chama muito atenção – tem momentos que é o timbre da guitarra mais estridente, outra hora os backings vocals que parecem ter vindo de outro tempo/espaço. Funciona à beça.
Por falar em peças que parecem fora do lugar, o que dizer de Meu Nome Não É Portugas, a negativa que é nome artístico de Rubens Adati? A curiosidade que o nome puxa se espalha pelas deliciosas vibrações levemente nostálgicas puxadas pelo compositor. É mesmo como se o mundo fosse começar outra vez, como ele faz questão de avisar em um dos versos da boa “Céu e Mar”, um dos muitos pedaços bonitos de (atenção para o nome) “Perdi Minhas Pernas em Shangri-La”, seu segundo álbum.
Olha quem está de volta! A duplinha Adriano Cintra e Marina Gasolina em seu formato Madrid. “Eu Não Ligo, Eu Finjo” é toda docinha nos vocais e no arranjo básico que camuflam uma letra bem menos doce de alguém que pasou por muitas e já desistiu de algumas convenções e muitas outras coisas. Amadurecer é o nome disso, né?
11 – Kamau – “Casa” (5)
12 – Sítio Rosa – “Amarelo” (6)
13 – Edgar – “Chave de Ouro” (7)
14 – Julia Zatt – “Visceral” (com Florence Lil Flowers) (8)
15 – Forgotten Boys – “Like Never Before” (9)
16 – Naimaculada – “Eu Sei” (10)
17 – Rodrigo Campos – “Amar à Distância” (11)
18 – Thalin, VCR Slim, Cravinhos, Pirlo, iloveyoulangelo – “Todo Tempo do Mundo” (12)
19 – Livia Nery – “Tempo de Mistério” (13)
20 – Tuyo – “Dógui” (15)
21 – Rancore – “Quando Você Vem” (16)
22 – Giovani Cidreira – “Feira do Rolo” (com Vandal) (17)
23 – Rodrigo Amarante – “In Time” (18)
24 – Curumim – “Só Para no Paraibuna” (19)
25 – Jean Tassy – “Dias Melhores” (com Don L) (20)
26 – Jonathan Ferr – “Lugar ao Sol” (com Orquestra Ouro Preto) (21)
27 – Tássia Reis – “Só um Tempo” (com Criolo) (23)
28 – Papangu – “Rito de Coroação” (24)
29 – Zé Manoel – “Canção de Amor para Johnny Alf” (25)
30 – Ale Sater – “Final de Mim” (26)
31 – Liniker – “Me Ajude a Salvar os Domingos” (27)
32 – Caxtrinho – “Cria de Bel” (30)
33 – Bruna Mendez – “Temporal” (31)
34 – Thiago França – “Luango” (com Marcelo Cabral e Welington “Pimpa” Moreira) (32)
35 – Vitor Milagres – “Um Barato” (34)
36 – Apeles – “Fragment” (36)
37 – DJ Anderson do Paraíso – “Madrugada Fria” (37)
38 – Alaíde Costa – “Foi Só Porque Você Não Quis” (38)
39 – Exclusive os Cabides – “Coisas Estranhas” (39)
40 – Chico Bernardes – “Até Que Enfim” (40)
41 – TRAGO – “Porvir” (41)
42 – Vivian Kuczynski – “Me Escapo a Cuba” (42)
43 – Papisa – “Vai Passar” (43)
44 – Antônio Neves – “Dinamite” (44)
45 – Mateus Fazeno Rock – “Madrugada” (45)
46 – Julia Branco – “Baby Blue” (46)
47 – Taxidermia – “Clarão Azul” (47)
48 – Mirela Hazin – “Delírio” (48)
49 – Bruno Berle – “Te Amar Eterno” (49)
50 – Pabllo Vittar – “Pra Te Esquecer” (50)
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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a cantora e instrumentista Dora Morelenbaum.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.