Logo na segunda música de seu falaaaaaaaado disco novo, de COUNTRY, e seguindo o gospel de abertura, a extraestrela mundial da música Beyoncé já mete uma cover de Beatles para começar a conversa infindável sobre “Cowboy Carter”, seu oitavo álbum, lançado sexta-feira e que tem 27 músicas e um milhão de significados.
“Blackbird”, a faixa, foi escrita por Paul McCartney em 1968 e está no Álbum Branco do maior grupo de rock de todos os tempos. A surpresa é que “Blackbird”, embora tenha já ganhado muitas versões em seus 56 anos de vida, não é das canções óbvias dos Beatles, o que causou um certo espanto estar logo no comecinho de “Cowboy Carter”.
Mas por que “Blackbird”? Simplesmente porque “Cowboy Carter” todinho é uma resposta de Queen Bee, Queen Bey ou Queen B a muitas provocações, principalmente a sua causa negra. A gente já volta aos Beatles.
Anos atrás, virou uma controvérsia fora de controle quando Beyoncé convidou o trio feminino country Dixie Chicks a gravar um remix de uma canção do álbum “Lemonade”, chamada “Daddy Lessons”. A canção foi considerada por alguns críticos como a “música country do ano”, mas ela foi envolvida em polêmica quando Bey a apresentou ao vivo na cerimônia do CMA, a premiação da Country Music Association. Muitos artistas country foram contra a performance de Beyoncé. A cantora tomou isso como uma questão racial, porque o country sempre foi um gênero de branco. Isso foi em 2016, 2017.
Anos se passaram e cá estamos com “Cowboy Carter”, um disco de uma negra vestida de vaqueira, cabeleira branca, chapéu de cowboy(girl) branco, montada num cavalo branco e segurando algo que a gente sabe que é a bandeira americana, mas a foto mostra só parte dela. “Carter” é o sobrenome de Beyoncé.
A música country, quis dizer Beyoncé, também é dela. Principalmente porque nasceu no Texas, estado não só reino e nascedouro do country ali no sul dos EUA como de herança supremacista branca e de fortes relações com a antiga escravidão.
Sobre “Daddy Lessons” e a polêmica de anos atrás Beyoncé mandou seus recados. “Sinto-me honrada por ser a primeira mulher negra a ter o single número um na parada Hot Country Songs. Minha esperança é que, daqui a alguns anos, a menção da raça de um artista, no que se refere ao lançamento de gêneros musicais, seja irrelevante”, ela botou em seu Instagram.
Sobre o disco novo, ela falou: “Esse álbum está sendo produzido há mais de cinco anos. Ele nasceu de uma experiência que tive anos atrás, quando não me senti bem-vinda… e ficou muito claro que eu não era. Mas, por causa dessa experiência, mergulhei fundo na história da música country e estudei nosso rico arquivo musical. É bom ver como a música pode unir tantas pessoas em todo o mundo e, ao mesmo tempo, amplificar as vozes de algumas das pessoas que dedicaram grande parte de suas vidas a educar sobre nossa história musical.”
Pow!
De volta aos Beatles e sobre a música do “Álbum Branco” (que ironia!), “Blackbird” foi escrita por McCartney em 1968 na época das polêmicas dos direitos civis e as tensões raciais que varriam os EUA. A letra da música, sobre o pássaro preto com asas quebradas e o desejo por liberdade, foi total inspirada pela famosa história do grupo de adolescentes pretos chamado de Os Nove de Little Rock, os primeiros alunos afro-americanos a se matricularem na Central High School de Little Rock nos anos 50 e travar uma batalha legal sobre escolas segregadoras.
Em 2016, McCartney acabou conhecendo duas alunas do grupo dos nove, em quem “Blackbird” foi inspirada. Muito justo Beyoncé tomar agora a música para ela.
***
“Jolene”, a música que também faz parte de “Cowboy Carter” em forma de cover, é uma extraordinária canção country dos anos 70 escrito pela rainha do gênero, a cantora Dolly Parton, hoje com quase 80 anos de idade e ainda na ativa.
A letra original conta a história de alguém que pede para a linda mulher chamada Jolene não roubar seu marido. Num tom de súplica mesmo.
Beyoncé foi lá e deu uma “mexidinha” na letra do hino country, para transformá-la do seu jeito de supermulher poderosa da música atual. A letra da “Jolene”, agora da Beyoncé, em vez de pedir caridosamente para a Jolene não roubar seu marido, vai e ameaça a linda: “Estou te avisando, Jolene. Vai procurar seu próprio homem pra lá”, ela canta agora, tipo assim. “Continuo sendo uma cadela crioula da Louisiana. Não mexe comigo.”
A “Jolene” que está em “Cowboy Carter” tem uma apresentação no formato de faixa de 22 segundos, adivinha de quem? Da própria Dolly Parton, que recebeu o título da tal faixa e fala: “Ei, senhorita Honey B, aqui é a Dolly P. Você conhece aquela mulher de cabelo bonito sobre a qual você canta?… Apenas um cabelo de uma cor diferente, mas que machuca do mesmo jeito”. E aí começa a “Jolene” da Honey B.
***
* Vale lembrar, entre muitas versões feitas de “Jolene”, a que a banda White Stripes, de Jack White, fez em 2000. A cover surgiu como um lado B do single de “Hello Operator”, música que puxava o segundo álbum do duo americano de Detroit, “De Stijl”. Mesmo sendo uma música “complementar” de single, a “Jolene” whitestripiana, em que Jack White cantava sem mudar a letra de sujeito feminino, acabou se tornando um hit do White Stripes, entraria no disco ao vivo da dupla alguns anos depois e iria parar no Top 20 da parada de singles na Inglaterra. O lado B virou até vídeo oficial. Sim, ao vivo!