Top 50 da CENA – Terraplana e seu som circular vão ao topo do Top. Àiyé e Mahmundi colam juntinhas no pódio

A pandemia no Brasil, mais exatamente a data que marca o início de algo que talvez dê para chamar de lockdown, completa 3 anos nesta semana. Depois desse longo e trágico período, as coisas parecem mais abertas. Os discos estão chegando em níveis aceitaveis, os shows cada vez em maior quantidade. É nesse ambiente que capturamos as músicas mais legais da semana. Gente nova visitando nossa cidade, artistas refletindo sobre o que virá e talvez alguns até viajando de fato pelo tempo. Explicamos tudo isso melhor ao longo de mais um Top 50 da CENA, nossa reunião semanal do que de melhor aconteceu na música brasileira.  Com a melhor das playlists sobre ela que você pode ouvir.

1 – Terraplana – “Me Encontrar” (Estreia)

Estamos impactados pelo showzão dessa banda curitibana de shoegaze que vimos em São Paulo? Opa. Ver a turma derramar seu som no aconchego do Bar Alto e no evento Balaclava do Deafheaven domingo deixa impossível não voltar ao excelente álbum de estreia deles: “olhar pra trás”, tudo em minúsculo, ok, disco recém-lançado. Vale ponderar, apesar da forte influência shoegaze, que a sonoridade do quarteto vai além desse chão. E são diversas. Seja um pouquinho de post-rock, um primo do showgaze com outras ambições, ou pouquinho de rock nacional radiofônico – repare que eles já regravaram a mais triste da Pitty. As letras em português ainda que levemente enigmáticas ajudam a criar uma conexão imediata com o ouvinte – isso se prova pelos fãs que eles acumulam nas redes sociais. Talvez ainda não seja muita gente, mas são todos apaixonados, certamente. 

2 – ÀIYÉ – “Diablo” (Estreia)

A sacada da Rosalía em colocar um pouco de samba no seu reggaeton fez ÀIYÉ, a persona solo de Larissa Conforto, considerar inverter as coisas e botar um reggaeton dentro de um bloco de Carnaval. A inversão é sutil, mas que muda a operação e o resultado, ainda que o vocal em espanhol deixe bem evidente quem foi que provocou o questionamento. A letra ainda aproveita e trata de um tema sempre urgente: sacar a hora de dar um BASTA em qualquer relação tóxica – na conta de Larissa estão “relações românticas, profissionais ou amizades”. A gente até acrescenta mais uma aí. No caso, a relação tóxica consigo mesmo. Concorda, Lari? 

3 – Mahmundi – “Sem Necessidade” (Estreia)

A carioca Marcela Mahmundi deletou as fotos antigas do seu Instagram e reapareceu por lá com imagens em preto-e-branco que anunciam uma nova fase em sua carreira. Vem disco novo aí? O single “Sem Necessidade” é a primeira parte desse novo momento. Uma música que fala sobre entrega, sobre se sentir confortável com o outro/consigo e se permitir ficar – “sem necessidade de fingir”. Quanto ao som, a ruptura não foi tão brusca, mas dá para dizer que esta nova, que tem participação do Tagua Tagua, é um tiquinho mais eletrônica que a maioria das coisas de “Mundo Novo”, seu álbum anterior – lançado ainda no começo da pandemia da covid-19. Esse é um território já explorado por Marcela? Sim e não – suas primeiras gravações tinha esse toque mais puxado pelos sintetizadores, mas era outra parada, outra vibe, outro caminho. Mahmundi parte na trilha para uma nova trilha. 

4 – Cícero – “Longe” (Estreia)

Outro que deletou tudo de passado na timeline do Instagram para puxar uma nova fase foi o carioca Cícero. “Longe” conta com uma letra muito puxada pela clássica “Foi Mal Tava Doidão”, ainda que a mesma letra pontue que isso não justifica o vacilo do narrador. O protesto para que a outra pessoa não suma da vida de quem resolveu protestar tem inspiração em audições de Beach Boys e João Gomes, de acordo com o próprio Cícero. Não soa irreal, como alguns podem suspeitar. O refrão de longe cairia bem na voz do romântico cantor pernambucano. Alguém manda essa no zap dele?  

5 – Kamau – “Classe” (Estreia)

O rapper paulistano Kamau anda seguindo uma linha muito curiosa em seus novos singles. Já são três em 2023 e todos com pouco menos de um minuto. É tudo questão de classe e de muita habilidade e treino para conseguir dar tanta ideia certa em tão poucas linhas. É como se Kamau desafiasse a si mesmo e também mandasse um recado para a CENA. Você consegue valorizar cada segundo do seu som ou anda enchendo linguiça por aí? 

6 – César Lacerda – “Nítido Cristal Puro” (Estreia)

Bom mineirinho de Diamantina que é, César Lacerda aparece de frente para o mar na capa de “Verão”, seu novo EP. Um trabalho que logo diz a que veio: uma ode ao verão de 2023, livre de um governo nefasto e com um pouquinho mais de rua e de alegria. Uma celebração que vem de César de maneira nada alienada ou deslumbrada. Atento crítico da cena cultural brasileira, César avisa no texto que anunciou o EP: “Aliviado pela possibilidade de respirar um ar menos denso, menos tóxico, apesar de tantos obstáculos pela frente”. É fazer caber algum amor agora e seguir na luta.  

7 – Rogê – “Pra Vida” (Estreia)

Acreditaríamos fácil em alguém que falasse que o carioca Rogê encontrou uma máquina do tempo em Los Angeles, sua cidade atual, e trouxe seu novo álbum direto do Brasil dos anos 1970. “Curyman” não é exatamente uma volta ao passado nostálgica. Tem um tantinho disso, lógico, mas a música soa fresca. Frescor e passado que encontramos pelos backings, pela textura da gravação que deixa tudo com um ar do passado, ainda que certamente seja de 2023. Talvez Rogê tenha mesmo é voltado direto do futuro. Vai saber… 

8 – Raimundos – “A Mais Pedida” (Estreia)

No mundo que sempre parece carecer de gente boa, dói mais quando um desses se vai. Canisso, baixista do Raimundos, morreu nesta segunda-feira, 13. Um jovem de 57 anos. Unanimidade na cena e entre os fãs como boa praça, humilde e um cara engraçado, o músico manteve vivo o espírito divertido da banda nos altos e baixos do grupo. Talvez seja a última vez que botamos um som dos Raimundos aqui. Pelo Canisso. 

9 – Carolina Maria de Jesus – “O Pobre e o Rico” (com Nega Duda) (1)

A mineira Carolina Maria de Jesus foi uma das maiores escritoras da literatura brasileira. “Quarto de Despejo”, best-seller na época do seu lançamento, em 1960, e um sucesso até hoje, é leitura obrigatória. De escrita particular, criadora e moderna, Carolina, que morreu em 1977 aos 63 anos, não escreveu só livros. Também fez canções e gravou parte do seu material após o encanto de sua estreia literária. “Bitita – As Composições de Carolina Maria de Jesus” é a regravação desse álbum lançado nos anos 1960. Com diferentes vozes, a produção e direção musical de Sthe Araújo, integrante d’A Espetacular Charanga do França e da Funmilayo Afrobeat Orquestra recria o que Carolina escreveu e cantou. Na frente das gravações, se destacam as letras de Carolina, que vão do incisivo, como na crítica “O Pobre e o Rico”, ao reflexivo, caso de “Quem Assim Me Vê Cantando”, e a percussão, colocada em primeiro plano nas músicas. Preciosidade.

10 – Jards Macalé – “Coração Bifurcado” (2)

Jards Macalé não é só o mais novo oitentão da praça. Ele, que comemorou seu aniversário agora no começo do mês, também celebra sua música programando um álbum de inéditas para abril. Vai ser um disco de amor – amor enquanto gesto político, explica Macalé. Aquele amor para tirar o ódio do caminho na política de cada dia. O single novo é uma parceira com Kiko Dinnuci. A letra é de Kiko e a música de Jards:  “O mote é a famosa cantiga de Pombagira: ‘Um amor faz sofrer, dois amô faz chorar’. Vemos um coração na encruzilhada, diante das possibilidades de decisão entre dois amores e a total solidão”, conta o músico. Na banda que gravou a música (guitarra, baixo, bateria e cavaco), esse cavaco é tocado por Rodrigo Campos, nosso terceiro colocado desta semana… 

11 – Rodrigo Campos – “Atraco” (com Mari Tavares) (3)
12 – Rubel – “Lua de Garrafa” (com Milton Nascimento) (4)
13 – Assucena – “Nu” (5)
14 – Sessa – Vento a Favor” (6)
15 – Tetine – “Spaced out in Paradise” (7)
16 – Marina Sena – “Tudo pra Amar Você” (8)
17 – MC Tha – “Coisas Bonitas” (com Mahal Pita) (9)
18 – Bin Laden e Gorillaz – “Controllah” (10)
19 – Bike – “O Torto Santo” (11)
20 – Alcione – “Acorda Que Eu Quero Ver” (12)
21 – Pabllo Vittar – AMEIANOITE (com Glória Groove) (14) 
22 – Mateus Fazeno Rock – “Melô da Aparecida” (15)
23 – Tagua Tagua – “Pra Trás” (16)
24 – Nina Maia & Chica Barreto – “Gosto Meio Doce” (17) 
25 – Chico César – “Ligue o Foda-se” (18)
26 – Sant – “Nuvem Negra” (19)
27 – Gustavo Bertoni – “Marionettes” (20)
28 – Tim Bernardes – “Modinha” (21)
29 – Danilo Cutrim – “Vai Cair” (22)
30 – Maria Beraldo – “Truco” (23)
31 – Jonathan Ferr – “Preterida” (24)
32 – Mu540 – “Jatada Nostálgica Automotiva” (25)
33 – Jup do Bairro – JUP ME” (26)
34 – Betina – “O Coração Batendo no Corpo Todo” (com Luiza Lian) (27)
35 – Karen Jonz e CSS – “Coocoocrazy (com CSS) (28) 
36 – 2DE1 – “Sin Perder La Ternura Jamás” (29)
37 – Sara Não Tem Nome – “Agora” (30) 
38 – Letrux – “Esse Filme Que Passou Foi Bom” (32)
39 – Marcelo D2 – “POVO . DE . FÉ” (33)
40 – Lurdez da Luz – “Devastada” (34)
41 – Anelis Assumpção – “Rasta” (com Mahmundi) (36) 
42 – Funmilayo Afrobeat Orquestra – “Wikipreta” (com Monna Brutal) (37)
43 – TUM – “Polychrome” (38)
44 – JP – “Arroz de Polvo (com Holger)” (39)
45 – Wry – “Carta às Moscas” (40)
46 – Tássia Reis – “Rude” (41)
47 – Der Baum – “I Got a Soul” (42)
48 – Marina Gasolina – “Looking Through The K-Hole” (43)
49 – Luedji Luna – “Blue” (44) 
50 – Rincon Sapiência – “MAGIA” (com Menor MC) (45) 

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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a banda curitibana Terraplana, em foto de Eduarda Hipólito.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.